Para 2015 o mesmo que para a vida

Para 2015, se calhar, o mesmo que para a vida, do tamanho das coisas simples: sentir a nossa casa, toda ela, bonita, prezada, da maneira que nos couber e convier, casulo de emoções, espelho de nós sem apêndices de moda, sem artifícios ou filtros que não os que os nossos olhos alcançam

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Arben Celi/ Reuters

O ano virou, a vida quase que se maquilhou para recomeçar do zero, mas a contagem dos dias acelera, galopante, o novo dito arrancou parece que ontem e já soma e segue de tal maneira que diz-se que já vai no dia cinco. Para 2015, se calhar, o mesmo que para a vida, do tamanho das coisas simples: sentir a nossa casa, toda ela, bonita, prezada, da maneira que nos couber e convier, casulo de emoções, espelho de nós sem apêndices de moda, sem artifícios ou filtros que não os que os nossos olhos alcançam.

Guardar a Elis Regina sempre que canta que “quer a esperança de óculos". Guardei-a, multipliquei-a cá dentro - a esta frase - acho que é mesmo só esta a fé que tenho no ano, a da “esperança de óculos", como se isto quisesse dizer que vemos para lá do sítio onde a esperança acaba, como se houvesse lugar para o fim da esperança, pudesse este alento prolongar-se com a correção de dioptrias para ficar sempre maior.

A praia, demorada, de inverno mais do que de verão, no sentido em que a areia parece que nos faz reencontrar e redescobrir o calor, quando achamos que ele só vai e vem, com as estações do ano. Os pés, molhados, os dedos, encolhidos, fugíssemos nós à água gelada como quem escapa dos males do mundo, na esperança de que só a toalha seca seja capaz de centrifugar angústias que nos transcendem. Café de saco e tudo o que essa caneca arrasta na proporção de pão – quente – porque tenho dúvidas de amanhecer melhor do que o miolo de pão a prolongar-se no paladar do dia.

Pantufas, o grau de importância daquele momento em que o chão deixa de ser agreste e passa a ser nosso, sem lixo que nos imunde o conforto. Aquela cama lavada, os lençóis que embalam a noite, como a vida nunca foi de dia.

Sal e pimenta: os nossos de sangue e os nossos amigos, respetivamente, em muitos gramas para lá do que qualquer dieta possa alguma vez vir a impor.

Fugas: possíveis, para lugares que nos façam sentir sem tempo, sem mundo que caiba para lá da nosso comprimento.

Diz que 2015 entrou em força e já vai no dia cinco. Talvez devamos dar ao ano a importância das coisas escritas por extenso – “dia seis”, “dia sete”, “dia oito” – pelos números fora, num rol que ignore os meses e se prolongue por extenso até já ser “dia trezentos e sessenta e cinco” e isso já não fazer sentido a mais ninguém que não a nós, que estamos em casa, de pantufas e lençóis lavados, a beber café de saco com aquela última fatia de pão quente, sem fuga possível para lá da nossa infindável “esperança de óculos”.

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