Um terço das estações de comboios a Norte do Porto estão fechadas

Estruturas sem bilheteira, bar ou casa de banho são o dia-a-dia dos utilizadores das linhas de Braga e Guimarães. Refer admite que houve um desfasamento no investimento feito há 12 anos.

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A estação de Vila das Aves não tem bar, sala de espera ou casas de banho Hugo Delgado

Há muitos jovens na estação de Caíde. Em período de férias de Natal, aguardam o comboio urbano, que chegará dentro de minutos, para com ele fazerem a viagem de volta, até Penafiel. O grupo espera na plataforma, enquanto um dos seus elementos abre um maço de tabaco que divide com os amigos. Na bilheteira, uma senhora com idade para ser, pelo menos, avó deles conversa com o funcionário da CP. Esta é uma imagem rara nas estações das linhas urbanas do Porto, onde quase não há bilheteiras abertas e o encontro com um funcionário da empresa ferroviária é uma improbabilidade.

Passaram 12 anos desde a eletrificação e renovação das linhas de Braga, Guimarães e do Douro, no troço até Caíde de Rei (Lousada). Foi tempo suficiente para que as estações, quase todas construídas de raiz pela operação lançada numa altura em que o país se preparava para acolher o Euro 2004, tivessem passado a ser, na sua maioria, um lugar quase fantasmagórico. Na maior parte das estações e apeadeiros destas três linhas não há bilheteiras tradicionais em funcionamento e muitas delas estão praticamente vazias: Sem bar, sem sala de espera, sem casas de banho.

A estação de Caíde é uma das mais movimentadas. Braga, um exemplo de sucesso na procura dos Urbanos Porto, o caso mais bem-sucedido. É uma das maiores estações do país (tem 10 pisos), está no centro de uma cidade de grande dimensão e tem serviços urbanos, Alfa e, mais recentemente, de Inter-cidades. O que lhe garante muitos milhares de passageiros diários que alimentam um bar e um quiosque. Famalicão ou Guimarães também têm os serviços a funcionar e boa procura. Mas depois há tudo o resto à sua volta. E não são poucos os exemplos.

Na estação de Lousado, no concelho de Vila Nova de Famalicão, onde as linhas de Guimarães e do Minho se separam, há uma folha branca colada sobre o vidro da bilheteira: “A junta de freguesia deixou de ser parceira na venda de bilhetes”. Foi assinado pelo autarca local em Abril deste ano, pouco depois de a CP por fim a uma parceria que tinha quase uma década.

A autarquia arrendou, em 2005, um espaço da estação que seria destinado às bilheteiras e nunca utilizado, fazendo ali a sua sede. O protocolo então assinado com a CP pressupunha que a junta passasse a prestar o serviço de venda de bilhetes, algo que o presidente, Manuel Costa, considerava “essencial”. “As pessoas mais velhas têm muitas dificuldades em lidar com as máquinas de venda”, explica. Mas no início deste ano, a empresa comunicou, sem grandes explicações, que essa parceria terminava e que a freguesia deixava de poder ser responsável pela venda.

Não é só a bilheteira que não funciona na estação de Lousado. O bar da estação também fechou, já no ano passado. Na maioria das estações do Grande Porto, o uso do WC só pode ser feito mediante o pedido da chave no balcão do bar da Estação. Ali, sem bar a funcionar, a CP deixou de ter como controlar a utilização das casas de banho públicas da estação, que passaram também a estar encerradas ao público. “Há pessoas que agora fazem as necessidades nos túneis de acesso às plataformas e nós é que andamos a limpar esta porcaria”, desabafa o presidente da junta. A estação de Lousado “seria um antro” se a autarquia não estivesse aqui sediada e não tratasse dela como se fosse sua.

Das 18 estações principais destes três serviços dos Urbanos do Porto, seis têm os principais serviços encerrados, metade das quais estão na linha de Guimarães. A contabilidade não tem sequer em conta os apeadeiros (mais de 20 no total) que, na esmagadora maioria dos casos, não passam de um abrigo, onde não há máquinas de venda de bilhete e a informação e os dispositivos de validação dos passes multi-viagens foram vandalizados, sem terem sido repostos. O panorama só não é mais grave porque o serviço de Caíde, que utiliza a parte inicial da linha do Douro, tem todas as estações em funcionamento, equilibrando esta contabilidade.

Entre os espaços arrendados à Refer pela junta de Lousado na estação da freguesia conta-se também a casa destinada ao chefe de estação, que também estava vazia desde a construção em 2002. O mesmo acontece em Penafiel, Paredes, Guimarães e Caniços, entre outras, que também têm estas instalações. É que os edifícios foram construídos com base nas valências que existiam nas velhas estações de província, com casas para os ferroviários, gabinete do chefe de estação, sala dos telefones, secção de despacho de bagagens, bilheteira, salas de arrumos, dormitórios de pessoal. Só que estes já não eram necessários.

A senda modernizadora da Refer que antecedeu o Euro 2004 e trouxe do século XIX para o século XXI a velha rede ferroviária do Grande Porto, não se traduziu só em melhores linhas, sinalização e electrificação. Arrasou estações e construiu-as de novo, mas manteve-lhes, por exigência da própria CP, valências antigas às quais acrescentou, por exemplo, casas de banho para o pessoal da estação. Algumas delas têm sanitários internos e outros no exterior, mas estão todos fechados.

Dez anos depois, fontes da Refer admitem ao PÚBLICO que na altura houve um desfasamento entre o momento do projecto e a sua concretização, durante o qual os pressupostos se alteraram. A CP não previa abandonar a venda de bilhetes nas estações. Mas já a empresa de infra-estruturas ferroviárias não ignorava que a modernização iria prescindir de pessoal nas estações. Os ferroviários que antes eram os guardiães da segurança e da circulação dos comboios, iriam ser substituídos por um comando centralizado em Contumil que controlava toda a circulação. Hoje admite-se que para as estações do Grande Porto bastaria uma gare e um telheiro de protecção – pouco mais que uma paragem de autocarro – em vez de edifícios novos e já abandonados.

O cenário encontrado em Lousado repete-se. Tadim, em Braga, teve a antiga Estação renovada em 2002. Hoje está completamente encerrada e não existe sequer uma máquina de venda de bilhetes. Na rua da Estação, outrora uma das mais movimentadas daquela localidade, percebem-se os sinais de degradação e a população queixa-se que o parque de estacionamento se tornou num ponto de venda de droga sem grande controlo. Em Arentim, ali bem perto, a Estação é nova e foi coberta a mármore, mas está hoje vazia. Na linha de Guimarães, a estação de Vila das Aves não tem bar, sala de espera ou casas de banho.

A poucos quilómetros fica a estação de Caniços, localidade que no século XIX tinha importância regional pela existência de uma central hidroelétrica. Faz parte da freguesia de Bairro, também no concelho de Famalicão, que tem menos de 4000 habitantes. A dimensão ou a proximidade com Santo Tirso e Vila das Aves não foram tidas em conta na hora de propor a construção da estação, em 2002. É uma das maiores infra-estruturas de toda a linha de Guimarães, totalmente coberta a azulejos coloridos, mas hoje está completamente vazia. O bar da estação fechou e nem sequer se encontra uma máquina de venda de bilhetes.

“Já nem sei há quanto tempo isto está assim, mas a gente nem liga”, desabafa Fernando, mãos nos bolsos e chapéu na cabeça, protegendo-se do frio, enquanto espera pelo próximo comboio para Guimarães. Ainda faltam 35 minutos. É tempo suficiente para recordar os tempos do comboio “velho”, quando a via ainda era estreita e a ponte de ferro, agora desactivada, era atravessada por composições cheias de passageiros. “Era uma festa quando o comboio passava. Agora são bonitos, mas não levam gente”.

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