Ter cancro, uma questão de “má sorte”?

Os factores de risco ambientais – e/ou a predisposição genética – têm um papel fundamental no aparecimento de uma série de cancros. Mas noutros são sobretudo as mutações espontâneas, aquando da divisão celular normal, que parecem estar em causa.

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Quando as células se tornarm cancerosas, a sua proliferação fica descontrolada Cortesia de Thomas Deerinck/Universidade da Califórnia

As mutações aleatórias que podem ocorrer, num dado órgão do corpo, quando as chamadas células estaminais se dividem (garantindo assim a reposição das células adultas em fim de vida nesse órgão), são responsáveis por dois terços dos cancros que as pessoas desenvolvem ao longo da vida, concluem dois especialistas num estudo publicado esta sexta na revista Science.

Cristian Tomasetti e Bert Vogelstein, da Universidade Johns Hopkins (EUA), analisaram resultados anteriormente publicados sobre a taxa de divisão de células estaminais (saudáveis) em 31 tipos de tecidos diferentes do corpo humano. E, quando compararam esses dados com as estatísticas de incidência do cancro, ao longo da vida, nesses mesmos tecidos, descobriram uma forte correlação entre essa taxa de normal renovação celular e a taxa de cancro no órgão correspondente. Segundo eles, 65% da incidência do cancro nos adultos norte-americanos poderá assim ser, principalmente, uma questão de “má sorte”.

Quer isto dizer que não vale a pena preocuparmo-nos, por exemplo, em ter um estilo de vida saudável? De todo: há cancros, como o cancro de pulmão dos fumadores (devido ao tabagismo) ou o cancro da pele (consequência do excesso de exposição solar), que estão claramente mais ligados ao estilo de vida do que a uma espécie de roleta russa. Aí, de facto, o número de divisões das células estaminais no tecido correspondente não chega para explicar a frequência dos cancros que atingem esse tecido. E não só: os cientistas fazem notar que, mesmo quando o principal factor de risco é o acaso, os factores ambientais e hereditários só podem fazer aumentar ainda mais esse risco.

“Constatámos que os tipos de cancro que tinham um risco maior do que previsto pela taxa de divisão celular eram precisamente aqueles que seria de esperar – incluindo o cancro do pulmão e o cancro da pele –, bem como os cancros associados a síndromes hereditárias”, diz Bert Vogelstein, citado em comunicado da sua universidade.

Todavia, nos cancros em que o factor sorte surge como predominante, argumenta este cientista, “a melhor maneira de os erradicar será através da sua detecção precoce, quando ainda são operáveis”.

Segundo os autores, estes resultados permitem explicar por que é que o cancro é menos frequente nalguns órgãos do que noutros. “Um exemplo”, diz Vogelstein, é o tecido do cólon, que sofre quatro vezes mais divisões de células estaminais do que o intestino delgado”. Ora, justamente, o cancro surge de forma muito mais frequente no cólon do que no intestino delgado.

Uma limitação do estudo é a não inclusão de certos tipos de cancro muito prevalentes, tais como o cancro da mama ou o da próstata. Os autores justificam este facto pela falta de dados fiáveis sobre a renovação celular nestes tecidos, esperando que este tipo de lacuna venha a ser colmatada no futuro.

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