A hora para Paulo Portas sair de cena

Há crimes arquivados que não salvam os suspeitos de condenações políticas e Paulo Portas sabe disso melhor do que ninguém. O que ele faria nos tempos de O Independente se lhe chegasse às mãos um despacho como o que engavetou o nebuloso processo dos submarinos, não é difícil de imaginar. Mas como desta vez é ele quem está no centro do furacão por ser responsável, no papel de ministro da Defesa, por “ilegalidades administrativas”, por negociações “opacas”, pela “celebração de um contrato substancialmente diverso do adjudicado pelo Conselho de Ministros” ou por ter participado na introdução de uma contrapartida de valor “muitíssimo significativo” que “nem sequer foi objecto de qualquer relatório de avaliação”, é muito provável que assobie para o lado. O estrondo do texto dos procuradores, porém, é irrevogável e não se silencia com um simples sopro de ar.

No próximo ano, até às legislativas, o vice-primeiro-ministro arrisca-se a ser atormentado pelos destroços que a infeliz investigação dos submarinos deixou à superfície. A carreira política que brilhantemente construiu algures entre a determinação executiva e a sobranceria moral, perdeu lastro. Portas tornou-se um problema para o CDS e para a coligação.

Se o país está a mudar como muita boa gente acredita, deixará de haver lugar para zonas cinzentas como as que Portas protagonizou nos submarinos. A condescendência perante anos e anos de abusos de poder, de contratos lesivos para o Estado e de negociatas rendosas para os bolsos de alguns ou para os cofres dos partidos, acabou. O nojo colectivo com o BES ou o estado de alarme causado pela detenção de José Sócrates certificaram na opinião pública a existência de um pântano moral que cresceu com o dinheiro fácil da Europa e com o despesismo do Estado. É provável que a bulimia cívica dos últimos anos dê lugar à contestação. Se não nas ruas, ao menos nas urnas. Portas tornar-se-á assim um alvo fácil. Ele não é acusado de nada, nem sequer foi arguido, mas o que está em causa não são julgamentos do foro criminal. É a sua credibilidade e a sua transparência. São as suas decisões enquanto ministro que o envergonham. São os estilhaços de um negócio ruinoso para o país que o atingem. Como escreveu Francisco Teixeira da Mota no PÚBLICO, “nenhum português tem dúvidas que houve pagamento de luvas” nesse processo.

Lê-se no despacho que a “prática de ilegalidade não tem, necessariamente, de configurar a prática de crime”, o que obriga a dar como arrumado o caso judicial. Mas se nada lhe há a apontar nessa esfera, tudo o que fica no ar é imenso se, como se suspeita, houver um mínimo de empenhamento cívico para tornar a vida pública mais saudável e a democracia mais exigente. São de resto os procuradores que assinaram o arquivamento a incentivar essa atitude, ao citar actos censuráveis e ilegalidades que não deram em crimes por erros grosseiros da investigação, por falta de colaboração das autoridades alemãs ou dos paraísos fiscais ou pelo miserável desaparecimento de documentos do Ministério da Defesa. Como escreveu João Semedo no PÚBLICO, o despacho de arquivamento não impõe por si só “a absolvição dos investigados”. Política, sublinhe-se.

Mesmo aplicando todas as margens de segurança que se exigem a um julgamento na opinião pública, a crueza dos factos é demasiado evidente para que Portas seja merecedor do grau de confiança que qualquer candidato a cargos públicos tem de merecer. Ele exorbitou do mandato de negociador que lhe foi atribuído, ele foi cúmplice na negociação de compensações que acabaram, via Escom, no bolso de banqueiros ou em parte incerta, ele foi responsável pela história das contrapartidas, ele é recordado por ter levado para casa centenas ou milhares de documentos quando deixou o Ministério. São empenhos a mais num caso tão nauseabundo.

Portas está entalado com o despacho e terá dificuldades em fazê-lo esquecer. O país acusado de viver “acima das suas possibilidades” não entende o contraste de um caso que implicou condenações na Alemanha e apenas absolvições em Portugal; fala nas conversas mais triviais da fortuna em comissões pagas aos Espírito Santo ou as que acabaram em bolsos insondáveis; lembra-se do episódio do distinto militante do CDS Jacinto Leite Capelo Rego a depositar dinheiro nas contas do partido. O conservadorismo que teve em Portas um dos seus paladinos odeia agressões éticas e subscreve o combate aos “privilégios nas mãos de alguns com prejuízo para todos”, como referiu Pedro Passos Coelho na sua mensagem de Natal. A esquerda que adora odiá-lo vai servir o caso no próximo ano com especial prazer. E entre uns e outros, os eleitores comuns vão concordar que o tempo de Portas é o passado.

Com a campanha eleitoral no horizonte, Passos gostaria de poder incluir o tema da limpeza do regime na agenda. A detenção de José Sócrates, sendo um alvo perigoso por fazer ricochete, é ainda assim um tema irresistível. Por muito que a façanha da resolução do caso BES cause prejuízos financeiros ao país, o primeiro-ministro teve a coragem de bater o pé e deixar cair o banqueiro do regime e, com maior ou menos dificuldade, passou ao lado da Tecnoforma e dos vistos gold. Mas enquanto tiver Portas a seu lado, jamais lhe passará pela cabeça atacar o partido que produziu um primeiro-ministro detido por suspeitas de corrupção ou até os negócios danosos dos governos do PS. Como escreveu Pacheco Pereira num artigo incisivo e esclarecedor no PÚBLICO, “se na coligação permanecer Paulo Portas, e se entretanto depois deste despacho não sair do Governo, não há frase contra as PPP que não possa ser rebatida com os submarinos, porque, em ambos os casos, os governantes não defenderam o bem público a que estavam obrigados”.

Paulo Portas tem por isso razões de sobra para saber que jamais sobreviverá incólume aos ataques que o esperam. O despacho de arquivamento deixou escrito num papel com a chancela da Justiça que ele não agiu como se exigia a um ministro de Portugal. Fez dele uma menos-valia, uma companhia que traz mais problemas que vantagens. Tornou-se o seu Waterloo. Um pouco de bom senso e respeito pelo país levá-lo-iam a admitir que está na hora de libertar o CDS e o seu parceiro de coligação dos seus ónus e encargos. A sua presença na política lembrará sempre um passado de facilitismo e irresponsabilidade que ajudou a empurrar o país para a falência. A bem da decência e da transparência, está na hora de mudar de vida, por muito que receie ver o “seu” partido tornar-se um apêndice do PSD, por muito que lhe custe ver-se incluído no rol dos que, como Sócrates ou Ricardo Salgado, se tornaram os símbolos do ajustamento ético em curso no país. Quem fez o que fez no caso dos submarinos já não tem nada a fazer no país. A não ser alimentar as “nuvens negras” que Passos Coelho acredita terem desaparecido do país neste final de ano. 

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