Como escapar às dentadas de Cronos

Há poucos dias, o atleta no top do golfe mundial Rory McIlroy afirmou que, para sanar a perda anual de milhares de praticantes por ano, o golfe precisa de ser mais rápido, deve adaptar-se aos novos tempos, à cultura do instantâneo: “as pessoas não têm tempo para passar cinco a seis horas em campo”.

Na mesma notícia do The Guardian são igualmente referidas experiências recentes para apressurar as modalidades do cricket e do ténis. Os desportos nunca foram a minha especialidade e como tal seria audaz contestar tais propostas ou práticas. Apenas poderei constatar que vivemos numa permanente pressa. O yoga já é praticado em versão rápida, a meditação pode ser feita num minuto, as histórias infantis para os pais lerem às crianças na hora de dormir assemelham-se a aforismos, as refeições são confecionadas em dois minutos, os alimentos são produzidos em menos de metade do tempo habitual, censuramos se a resposta àquele SMS não é imediata…

Na cultura ocidental lidamos com o tempo de uma forma quase obsessiva. Vivemos simultaneamente em dois extremos: não temos tempo e queremos fazer tudo ao mesmo tempo.

Por um lado, corremos diariamente para conciliar os nossos afazeres, o trabalho, a família e muitas coisas acabam por não ter cabimento nas horas que compõem um dia: simplesmente não temos tempo. É a chamada “pobreza de tempo”. A pobreza de tempo reflete-se numa perda de bem-estar individual e pode ter consequências mais amplas na sociedade, como demonstram os resultados de um estudo realizado pela Universidade de Princeton em 1973, que apontou que o principal fator que determina a nossa disposição para ajudar alguém necessitado é a perceção de termos ou não tempo para o fazer.

Por outro lado, quando dedicamos tempo a uma qualquer atividade, é frequente não desfrutarmos dela, ou porque queremos fazer várias em simultâneo, ou porque já estamos antecipadamente a cogitar sobre a seguinte. Experimenta-se esta ansiedade ao correr entre pontos de interesse numa curta viagem turística a uma qualquer cidade, com o dedo pronto para disparar a máquina fotográfica e não parando para observar a vida quotidiana, sentir os espaços, notar os detalhes. Experimenta-se ainda quando durante um jantar com amigos estamos a trocar mensagens com outros, para dar alguns exemplos não hipotéticos. A isto chamo “tempo pobre”. Enriquecer o tempo significa usá-lo com consciência para estabelecer uma verdadeira ligação com as pessoas, com os lugares, com os ciclos da natureza e com a vida.

Como contraponto à vida acelerada surgiu há uns anos um movimento que promove as virtudes de um estilo de vida no qual algumas coisas devem tomar o seu tempo e não ser apressadas (slow movement). Um exemplo transversal da filosofia deste movimento refere-se à forma de preparar os alimentos e de tomar as refeições (slow food). Advoga em contrariar a comida rápida, instantânea e inconscientemente emborcada com um exercício consciente de escolha de ingredientes, de preparação dos alimentos e de ritual de mesa. Na essência, defende enriquecer o tempo confecionando e desfrutando de refeições com ética, estética, consciência, ligação à natureza e relações humanas. Esta filosofia aplica-se a muitas outras facetas da nossa vida, como a forma de viajar, de gerar dinheiro, de educar, de ler...

Na mitologia grega, Cronos era considerado o criador do tempo. Uma das representações mais famosas de Cronos é a de um deus que devora os seus filhos. Também nós seremos em algum momento tragados pelo tempo, mas até lá podemos evitar as dentadas de Cronos assumindo autêntica posse do nosso tempo. 

Investigadora da Universidade Católica Portuguesa – Porto. Coordenadora do Centro Regional de Excelência em Educação para o Desenvolvimento Sustentável da Área Metropolitana do Porto

A autora escreve de acordo com as regras do novo Acordo Ortográfico

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