Morreu Alberta Adams, a rainha dos blues de Detroit

A cantora norte-americana sucumbiu a anos de insuficiência cardíaca, anunciou a sua editora na sexta-feira. Tinha 97 anos e só recentemente abandonara os palcos — com alguma relutância.

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Alberta Adams com os seus companheiros de banda, Joe Weaver e Johnnie Bassett
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Alberta Adams em 1944 no Paradise Valley Club
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Alberta Adams num clube de Detroit na década de 50

"Exactamente como num blues", escreveu ontem o Detroit Free Press na primeira linha do texto que anunciou ao mundo a morte de Alberta Adams, a decana dos blues de uma cidade orgulhosamente blue-collar: "Nasceu no calor de Julho, morreu no dia de Natal". Mas não é um blues, é a vida de Alberta Adams, a cantora norte-americana que nasceu Roberta Louise Osborne em Indianápolis, num dia quente do Verão de 1917, e que morreu na manhã de quinta-feira, sucumbindo a anos de insuficiência cardíaca, informou em comunicado a sua editora, a Eastlawn, citada pela Billboard, acrescentando que o velório decorrerá entre segunda e terça-feira na Swansea Funeral Home, em Detroit, e que o funeral sairá às 11h de quarta-feira da Bethel Baptist Church.

Alberta Adams tinha 97 anos e estava internada numa unidade de reabilitação em Dearborn desde a semana passada: não era de prever que recuperasse, mas também não seria totalmente impensável que tal acontecesse, tratando-se como se tratava de uma artista com mais do que uma vida para viver. "Deus pôs-me neste mundo para cantar blues", disse ao Free Press em 1999, justamente no segundo pico de uma carreira tardia que a levou em digressão por todo o continente norte-americano. "Era a última das cantoras de blues da velha guarda, das grandes vozes do pós-guerra que deixaram a sua marca na década de 40", afirmou R. J. Spangler, manager e produtor de Alberta Adams.

Já não tinha sido fácil, o caminho até lá. Filha de mãe alcoólica, Roberta Louise mudou-se ainda em criança para Detroit, onde foi criada por uma tia. "Ela sabia que tinha de fazer alguma coisa, que tinha de ser alguém. Essa urgência de fazer coisas tinha a ver com o facto de não ter tido absolutamente nada enquanto estava a crescer", disse à Billboard o seu antigo promotor, Matt Lee. A sua carreira artística iniciou-se nos anos 20, altura em que fez sapateado num clube nocturno de um bairro negro de Detroit, o Black Bottom. Pouco tempo depois já estava a estrear-se como cantora, substituindo a cabeça-de-cartaz do Club B and C e conquistando um contrato de cinco anos, mas demorou mais de uma década a ser descoberta por uma editora de Chicago, a Chess Records, com a qual acabou por gravar vários singles. O título de "Rainha dos Blues" chegou mais tarde, quando o mestre de cerimónias do seu primeiro concerto no mítico Apollo Theatre, em Nova Iorque, a apresentou espontaneamente assim. Foi nessa qualidade que abriu para músicos como Duke Ellington, Louis Jordan, John Lee Hooker e T-Bone Walker. "Conhecia toda a gente e tinha um enorme sentido do decoro e do que significava trabalhar na indústria do entretenimento. Costumava contar que uma vez a Billie Holiday lhe batera na cabeça ao vê-la a mastigar uma chiclete no camarim."

"Profissional até ao fim", Alberta Adams continuava a actuar em meados da década de 90, quando Spangler a resgatou do relativo anonimato em que se encontrava, tal como outros veteranos do blues de Detroit, incluindo os entretanto desaparecidos Johnnie Bassett e Joe Weaver. A nova banda com que passou então a apresentar-se relançou-a numa carreira internacional e permitiu-lhe gravar ainda mais dois discos (Born With The Blues, em 1999, e Say Baby Say, um ano mais tarde), os primeiros desde os anos 60. "Divertiu-se imenso. Nunca resmungava, nunca se negava a nada num concerto, estava sempre disposta a conhecer os seus admiradores e a agradecer-lhes no final. Por vezes passávamos mais de oito ou dez horas dentro de uma carrinha e mesmo assim ela partia tudo quando chegava ao palco", contou Spangler ao Detroit Free Press

Em 2008, já severamente debilitada depois de uma queda e de sucessivas hospitalizações, Alberta gravou o seu último álbum, Detroit Is My Home (Eastlawn Records), que sucedia ao anterior I'm On The Move, de 2004. "Tinha uma maneira de cantar e uma prosódia inconfundíveis. Podia pegar num standard do blues e fazê-lo seu, sem denunciar demasiadas influências. Era totalmente ela própria", recorda Spangler. 

Rainha incontestada dos blues de Detroit, Alberta Adams parece deixar um enorme vazio numa cidade já de si desmoralizada pela devastadora crise económica dos últimos anos. "Tinha sempre uma palavra simpática ou um encorajamento para dar aos recém-chegados. Era uma verdadeira jóia num negócio muito feio. Deixa um espaço gigantesco que nunca poderá ser verdadeiramente preenchido", disse à Billboard Steve Allen, da Detroit Blues Society.

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