Segurança Social invoca “interesse público” para manter processo de “requalificação” de trabalhadores

Instituto de Segurança Social vai recorrer da decisão do tribunal, que aceitou providência cautelar apresentada pelos sindicados. Sindicato diz que o processo "devia parar"

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Pedro Mota Soares, ministro da Segurança Social Enric Vives-Rubio

A Segurança Social não desiste do processo de requalificação de 697 trabalhadores. O Instituto de Segurança Social (ISS) revelou neste sábado que vai apresentar recurso no Tribunal Administrativo de Lisboa, depois de a providência cautelar apresentada pelos sindicatos ter sido aceite.

"Confirma-se que deu entrada ontem, sexta-feira ao final da tarde, no Instituto da Segurança Social citação relativa a providência cautelar sobre o processo de requalificação. Na sequência desta citação, o Instituto da Segurança Social está já a preparar resposta e resolução fundamentada a invocar, naturalmente, o interesse público no prosseguimento do processo de requalificação", diz uma nota enviada ao PÚBLICO.

Como o PÚBLICO avançou neste sábado, o processo de requalificação dos 697 trabalhadores do ISS encontra-se agora suspenso, depois de o Tribunal Administrativo de Lisboa ter aceitado analisar a providência cautelar interposta pela Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais (FNSTFPS), ligado à CGTP.

Luís Pesca, dirigente da FNSTFPS, não ficou supreendido com a reacção do Governo, mas duvida que o processo de requalificação se enquadre nos casos em que faz sentido invocar o interesse público. "Não há aqui nenhuma razão para o Governo invocar que a suspensão do processo de requalificação prejudica o interesse público", disse ao PÚBLICO, lembrando que é "o despedimento" de 700 trabalhadores de um organismo que presta serviços essenciais que lesa o interesse do público.

Também José Abraão, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública (Sintap), ligado à UGT, referiu que o recurso do Governo à providência cautelar interposta pela FNSTFPS “era expectável”. Para este sindicalista, a razão invocada, o interesse público, “mostra o desespero de causa”. “Este processo nasceu mal e está mal conduzido. Não foram exploradas todas as vias de reclassificação dos trabalhadores. O que o Governo deveria fazer era parar este processo. Até porque os recursos humanos da Segurança Social não são demais. Até há dois meses sempre disseram que havia falta de trabalhadores…”

A citação do tribunal seguiu para o ISS a 18 de Dezembro. O instituto tem 10 dias (contados a partir do momento em que recebeu a citação) para responder aos argumentos apresentados pela FNSTFPS.

Como se trata de uma providência que pede a suspensão da eficácia de um acto administrativo – neste caso a requalificação de trabalhadores – o instituto tutelado pelo ministério de Pedro Mota Soares fica impedido de prosseguir o processo.

“No dia em que o ISS recebe a citação fica impedido de dar continuidade ao processo”, explicou ao PÚBLICO o especialista em direito administrativo Paulo Veiga e Moura. Esta consequência está prevista no artigo 128º do Código de Processo Administrativo (CPA). Mas o mesmo artigo também diz que o ISS pode argumentar, no prazo de 15 dias, que a paralisação do processo prejudica gravemente o interesse público. E é precisamente isso que o ISS vai agora alegar.

 “A providência cautelar que apresentámos visa a suspensão do acto administrativo que iniciou a requalificação. Na petição invocamos que o processo tem sido mal conduzido. A partir da data em que o ISS foi citado, todos os actos inerentes à requalificação estão suspensos”, precisou ao PÚBLICO Luís Pesca. Mas lembra que, logo que o tribunal receba a resolução fundamentada  do ISS a invocar  o interesse público, a suspensão termina.

Depois, caberá ao juíz decidir (no prazo de cinco dias) se aceita ou não os argumentos do ISS. Caso o tribunal entenda que a suspensão do processo lesa o interesse público, Luís Pesca diz que a Federação está pronta para contestar.


Do ponto de vista dos trabalhadores, esta suspensão remete para Janeiro um eventual desfecho do processo. A dispensa de quase 700 trabalhadores já estava a derrapar face aos prazos estipulados pelo Governo. Uma deliberação do conselho directivo do ISS, a que o PÚBLICO teve acesso, previa que, até 12 de Dezembro, os trabalhadores sujeitos à entrevista de selecção deviam ser informados do resultado final. E até 18 de Dezembro seriam colocados em requalificação. 

Entre os trabalhadores que o ISS pretende dispensar estão 526 assistentes operacionais, 139 docentes, três técnicos de orientação escolar e social, sete enfermeiros e 22 técnicos de terapêutica.

O processo tem por base um estudo de “avaliação organizacional” onde se conclui que existe um “desfasamento do pessoal afecto ao ISS, face às necessidades permanentes. O instituto justifica que a simplificação de processos permitiu libertar “inúmeras tarefas asseguradas anteriormente por trabalhadores, maioritariamente da carreira de assistente operacional e actualmente desenvolvidas por assistentes técnicos e técnicos superiores, com recurso a aplicações informáticas”.

Outra das justificações apontadas é a reorganização interna dos serviços, que determinou a diminuição de unidades, sectores e equipas, assim como a transferência de estabelecimentos (creches, lares, centros de dia, entre outros) para a administração local ou para as instituições particulares de solidariedade social (IPSS), o que faz com que os trabalhadores integrados em carreiras não revistas ou subsistentes não tenham lugar nos serviços.

A requalificação (antiga mobilidade especial) é o mecanismo a que ficam sujeitos os trabalhadores que não têm lugar nos serviços ou cujos postos de trabalho foram extintos. Esta é uma medida que o Governo pretende alargar a diversos organismos, e, com isso, poupar nas despesas com pessoal. Junto da troika, o executivo colocou como meta enviar 12.000 funcionários para este regime entre 2014 e 2015.

Nos primeiros 12 meses recebem 60% da remuneração e são sujeitos a programa de requalificação para que sejam colocados noutros serviços onde façam falta. Se isso não acontecer, passam a receber 40% do salário. Os trabalhadores com vínculo de nomeação podem ficar nessa situação até à idade da reforma, mas os trabalhadores que têm contrato são despedidos ao fim de 12 meses.

 

Notícia atualizada com declarações de Luís Pesca, dirigente da FNSTFPS, entidade que interpôs a providência cautelar.

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