“Blackface: dreaming of a white christmas?”

No novo anúncio da MEO/Gato Fedorento usa-se “blackface”, criado no pós-Guerra Civil Americana para oprimir as pessoas "negras", escravas, vistas como seres inferiores

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Alguém disse que o racismo era como o Alka Seltzer: está lá mas não se vê. Ora, vê-se e está estampado na cara de muitos. No novo anúncio da MEO/Gato Fedorento usa-se “blackface”, criado no pós-Guerra Civil Americana para oprimir as pessoas "negras", escravas, vistas como seres inferiores. Usado por pessoas "brancas" em "shows" de entretenimento para pessoas "brancas", é repudiado por ser racista. Em anúncios como o da MEO, há uma mensagem inequívoca de racismo. Incluindo "blackface", as pessoas "negras" são apresentadas como uma massa homogénea, selvagem e sem instrução. Após o fim da Guerra Civil, para conseguirem trabalho em entretenimento, as pessoas "negras" viam-se forçadas a usar "blackface". É esta a "carga" pesada e imutável do "blackface".

O racismo em Portugal existe. Quando denunciado, é ignorado ou desvalorizado. “É só uma brincadeira!” Não se agindo perante estes actos, perpetua-se a discriminação. Urge mobilizar a sociedade civil para que se insurja contra estas práticas. Mediante a visão dos indivíduos que usam "blackface", os "negros" enquadram-se numa categoria que se desconhece totalmente. Desaparece o estatuto de igualdade entre todos os seres humanos. Então, eis a questão: afinal que categoria é esta na qual, recorrentemente, comediantes e outros profissionais de entretenimento incluem as pessoas "negras"? Se uma pessoa "negra" aparecesse no seu local de trabalho pintada com a cara de branco, qual seria a receptividade? Boa? Duvido. Como cientista social e "entertainer", jamais recorreria a "blackface" ou "whiteface". Exemplifico: projecto de terreno num bairro socialmente desfavorecido e começo a falar só com “calão”. Resultado: zero legitimidade como cientista social e ser humano.

Todos somos palpáveis e bem reais. Serão os "negros" seres à parte? Não são iguais aos Gato Fedorento? Bem, por certo não serão, pois não usam graxa preta ou tinta escura na cara. Eu, por exemplo, como pessoa que sou, uso maquilhagem da M.A.C.. E não é isso que faz de mim mais ou menos "negra". Ou "branca". Ou pessoa. Sou. Ponto. E nenhum profissional pode esquecer o significado do "blackface". Hoje em dia, "branqueiam-se" as modelos negras. "Whiteface" ou "blackface"? Ambas erradas.

2014: Politeama apresenta Marina Mota com "blackface" ("Portugal à gargalhada") e sotaque “negro”(?). Forma estranha de fazer rir. Existem actores e actrizes negras em Portugal. Qual o propósito? Ridicularizar? Então, foram bem-sucedidos. São factos. E fardos. De palha? Não. Temos todos um Q.I médio. E o Q.E.?

O preconceito é evidente: "nós e eles". Parodia-se porque sim? Não. Passiva ou activamente, celebra-se o preconceito. Se não há igualdade entre todos os seres humanos, há "igualdade" na discriminação. Nenhum tom de pele garante um determinado Q.I ou destreza física. Há uma Condoleezza Rice e um Pepe. E uma Lady Gaga. Nunca fui a África nem corro os 100 metros em 9.56 segundos. Mas sei distinguir perfeitamente um acto de racismo. Todos deveríamos saber. Falta à sociedade civil e aos grupos-alvo destes actos uma (re)acção concertada. Existe só um NÓS. É esta a mensagem declarada universalmente.

Nesta altura, censura-se o "blackface" do Natal holandês. E em Portugal? A resposta já foi dada. E na televisão nacional.

“The true measure of any society is not what it knows but what it does with what it knows."

Warren Bennis

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