Macau recebe Presidente chinês, mas guarda-chuvas são proibidos

Primeira visita de Xi Jinping como Presidente é feita dias depois do final dos protestos de Hong Kong e num dos piores anos para a indústria do jogo.

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Xi Jinping com o chefe do governo de Macau, Fernando Chui, à direita na foto, no aeroporto Gabinente de Informação do Governo de Macau/Reuters

Uma chuva miúda, mas persistente, fazia sentir-se quando o Presidente chinês, Xi Jinping, aterrou, nesta sexta-feira, no aeroporto de Macau, para iniciar a sua primeira visita oficial desde que tomou posse ao antigo território administrado por Portugal. Porém, não se viam guarda-chuvas entre os jornalistas que o aguardavam. As autoridades do aeroporto tinham proibido a sua utilização, com a justificação dos ventos fortes, segundo a AFP, tendo sido distribuídas algumas gabardinas. Passavam poucos dias desde o final dos protestos de Hong Kong – em que os guarda-chuvas se tornaram símbolos – e em Macau não se queria correr qualquer risco.

A visita de Xi a Macau – que à semelhança de Hong Kong é regida sob o princípio “um país, dois sistemas” – tem sobretudo um carácter simbólico. Trata-se de uma “viagem de afirmação de soberania”, nota o director do diário macaense de língua portuguesa Tribuna de Macau, José Rocha Dinis, em declarações ao PÚBLICO. Em Macau, Xi vai assistir, neste sábado, às cerimónias do 15.º aniversário da transferência da soberania para a China e dará posse ao chefe executivo, Fernando Chui, reeleito para um segundo mandato.

Comparações com Hong Kong – onde nos últimos meses um movimento pró-democrático trouxe centenas de milhares de pessoas para as ruas para pedir eleições livres da influência de Pequim – são afastadas por Rocha Dinis. “Essa é uma opinião que só se pode ter mesmo na Europa”, observa. As diferenças têm a ver sobretudo com a “composição da sociedade” de Macau. “As pessoas de Hong Kong ainda estão muito ligadas àquela gente que fugiu em 1949 do regime comunista. Claro que agora estamos na terceira geração, mas aquilo fica presente. Em Macau as coisas são muito diferentes. As 300 mil pessoas que vieram nos anos 1970 e 1980 vieram por motivos económicos, gente com pouca educação, que trabalhava no campo.”

Esta mesma ideia já tinha sido manifestada ao PÚBLICO em Outubro, em plena efervescência dos protestos em Hong Kong. Na altura, a advogada Ana Soares afirmava que um movimento pró-democrático como o existente no território vizinho “é coisa que não pode existir em Macau”, onde vive há quase três décadas.

Apesar de considerar que “há uma ideia generalizada em Macau de que o princípio deve ser o das eleições universais”, Rocha Dinis nota que “a sociedade, como um todo, não está preparada para isso”. Para já, o caminho deve ser trilhado de forma gradual. “Já vivia em Macau antes de 1999 [ano da passagem para a soberania chinesa] e estou muito contente com a Lei Básica, porque garante os direitos fundamentais”, acrescenta.

Ainda assim, em Maio, o território de 600 mil habitantes assistiu à maior manifestação da sua história, com uma marcha de 20 mil pessoas contra um regime de compensação para altos funcionários e por uma melhoria dos serviços públicos. Tal como em Hong Kong, foi organizado um referendo informal por um grupo de activistas em que participaram nove mil pessoas, das quais 95% votaram a favor do sufrágio universal.

Jason Chao, um dos principais activistas pró-democracia, tem por hábito organizar uma acção de protesto anual por ocasião do aniversário da passagem da soberania. À Reuters, Chao contou que foi contactado pela polícia que lhe deu autorização para organizar a manifestação “desde que não fizesse outras coisas que implicassem Xi Jinping”.

O petróleo dos casinos

Do “continente”, Macau é vista como um paraíso para os apostadores, uma Las Vegas asiática – apesar de já ter ultrapassado a homóloga norte-americana, desde que os casinos foram liberalizados em 2002. Dos dados, das roletas e das slot machines vêm cerca de 80% das receitas do território, tornando-o praticamente dependente do sucesso de apenas uma indústria. “É quase como se descobrissem petróleo, uma descoberta que por acaso foi em Macau”, compara o director da Tribuna.

Mas o “poço” pode estar em risco. Em Setembro, o governo anunciou uma queda entre 12 a 13% nas receitas provenientes do jogo face ao ano anterior – o maior recuo desde o início da crise económica.

Se a desaceleração da economia chinesa explica em parte este cenário, por outro lado, pode ser o próprio Governo de Pequim responsável pelo decréscimo das receitas dos casinos macaenses. Desde que chegou ao poder, Xi tem feito da luta contra a corrupção entre a classe política uma das suas principais prioridades. Aos casinos de Macau era comum desaguarem rios de dinheiro de dirigentes políticos que, agora, se privam de apostar as quantias desses tempos, receando chamar as atenções.

A questão parece ter sido aflorada entre Xi e Chui durante o primeiro dia da visita do Presidente. De acordo com a agência estatal Nova China, Xi manifestou preocupação junto do líder macaense por a economia local “ainda enfrentar dificuldades e desafios que devem ser geridos apropriadamente”, sem serem conhecidos mais pormenores. Chui parece ter decifrado a mensagem e garantiu que o seu governo vai “promover activamente a apropriada diversificação da economia”.

 

 

   

 

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