Plano estratégico para a RTP era “irremediavelmente medíocre”, diz conselho geral

CGI foi ouvido no Parlamento e deixou fortes críticas à ausência de projecto da administração para a empresa. Forma de escolha da próxima gestão ainda está em estudo porque a lei é omissa.

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António Feijó, presidente do conselho geral independente Miguel Manso

“Irremediavelmente medíocre.” É assim que o conselho geral independente da RTP classifica a segunda versão do plano estratégico que a administração lhe entregou. Por esse motivo o chumbou, confirmou esta terça-feira o presidente do órgão que está a ser ouvido na comissão parlamentar de Ética.

Esta segunda versão foi pedida na sequência da entrega de um primeiro documento que continha “contradições internas insanáveis”. Mas também o segundo acabou por se caracterizar por uma “generalidade e vacuidade de especificação e de indicadores” e uma qualidade geral “inaceitável”. O presidente do CGI disse que o órgão fiscalizador do serviço público poderia desde logo ter chumbado a primeira versão, mas por querer “arranjar um modo de convivência” com a administração pediu apenas uma reformulação.

Não tendo, como é exigido, um plano estratégico aprovado, a equipa de Alberto da Ponte deixou de “preencher os requisitos” que a lei impõe, justificou António Feijó, considerando que não está em causa a “honorabilidade” dos administradores. O presidente do CGI respondia assim às críticas de Alberto da Ponte, que se disse atacado na sua honra.

“O conselho de administração não tem qualquer apoio instrumental do accionista e não tinha sequer um orçamento e um plano de actividades”, realçou o presidente do conselho geral aos deputados. E afirmou que o PAIO - Plano de Actividades, Investimento e Orçamento da RTP para 2015, que foi hoje entregue no Parlamento e ao conselho geral nem sequer inclui os pareceres do conselho fiscal, do conselho de opinião e não foi comunicado à tutela ainda, como é de lei.

“É um plano póstumo”, decretou António Feijó deixando no ar dúvidas das intenções da administração ao fazer isto numa altura em que as duas entidades que têm poderes sobre ela – CGI e o Estado - já lhe retiraram a confiança. A que se soma o facto de a comissão de trabalhadores e a plataforma de sindicatos representantes dos trabalhadores também não se reverem nesta equipa de gestão, acrescentou o presidente do CGI.

Questionado pelos deputados, António Feijó também considerou as declarações do ministro Luís Marques Guedes sobre a Liga dos Campeões “inaceitáveis”. O governante afirmou, a 20 de Novembro, que a questão dos direitos era assunto para o CGI, mas acrescentou que o Governo discordava da compra e que esperava que o conselho geral actuasse em conformidade – uma “contradição insanável”, classificou Feijó.

Rejeitando qualquer pressão do Governo, especificamente do ministro da Presidência ou do ministro-Adjunto e do Desenvolvimento Regional, ou até mesmo dos comentadores, para a decisão de pedir a destituição da administração, o presidente do CGI vincou que “não há condicionamento de ninguém” e que as decisões daquele órgão são tomadas por “unanimidade”.

E deixou críticas à actuação dos directores da RTP e da ERC. Contou que foi a administração que lhe enviou um director de programas e outro de produção para lhe falar sobre o negócio, sendo o primeiro um dos subscritores da carta à ERC onde os directores da RTP se queixavam de violação da independência editorial. Ora, a administração também não deveria condicionar os conteúdos editoriais.

A ERC defende que a decisão é estratégica, mas apesar disso não deve estar no plano estratégico. António Feijó lembrou que a administração, os directores ou a ERC não se pronunciaram há três anos quando o ministro Miguel Relvas proibiu a RTP de comprar direitos de futebol.

O presidente do CGI rejeitou que tenha havido qualquer tentativa de intromissão daquele órgão nas questões editoriais e vincou, por diversas vezes, que o órgão apenas defende que devia ter sido informado do negócio, tanto pelo valor avultado como pelo facto de ser de natureza estratégica e de o seu efeito se prolongar além do tempo da própria administração. Considerou que houve “deslealdade” da administração - o que só por si é argumento admitido nos estatutos para pedir a destituição - devido à “ocultação do negócio”.

Além disso, também há dados que não batem certo: Feijó conta que os valores de retorno do investimento na Liga dos Campeões que lhe forma transmitidos pelos directores e os fornecidos pela administração são diferentes.

Ao início da tarde, Alberto da Ponte disse aos deputados que os jogos vão custar cinco milhões de euros por ano, mas conta ter um “retorno” de 5,8 milhões de euros: 2,5 milhões facturados em publicidade e 3,3 milhões de euros nos chamados “custos de oportunidade”, isto é, poupança em programas que já não emite por fazer emissões dedicadas ao futebol.

“Esta discrepância faz-nos pensar sobre a fiabilidade das decisões” no caso da Liga dos Campeões, deixando no ar dúvidas sobre o real impacto financeiro no negócio, disse o presidente do CGI, recusando especificar que outros valores lhe foram descritos. Mas realçou o facto de “até nestas quantificações se encontrarem debilidades” do conselho de administração.

O responsável do CGI deixou, porém, um elogio à administração de Alberto da Ponte, considerando que a sua tarefa não tem sido fácil por ter tido "grande turbulência" nas opções que o Governo foi tomando para o serviço público de rádio e televisão, onde se contam a intenção de fechar um canal, e a ideia de privatizar. Tais oscilações obrigaram a RTP a ajustar orçamentos e rever estratégias com frequência.

Feijó disse também que por pertencer ao sector empresarial do Estado a RTP tem "limitações", que deviam ser "ponderadas", e prometeu que o CGI se irá pronunciar sobre o assunto, deixando antever uma possibilidade de o Governo vir a rever o enquadramento da empresa.

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