Descoberta nova classe de anticorpos potentes contra o vírus da dengue

Anticorpos atacam quatro tipos de vírus da dengue que circulam pelo mundo e podem ajudar ?a produzir uma vacina única para esta febre que se tem alastrado nas últimas décadas.

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O mosquito Aedes aegypti que transmite o vírus da febre de dengue e também vive nas cidades Nelson Almeida/AFP

O surto da febre de dengue iniciado em Setembro de 2012 na Madeira, que atingiu 2187 pessoas, foi um alerta sobre a capacidade de esta doença se propagar a novas regiões. No ano seguinte, surgiram casos na Florida, Estados Unidos. E, em 2014, várias ilhas do oceano Pacífico, como as Fiji e as Cook, foram atingidas por um dos cinco tipos do vírus da dengue em circulação pelo mundo, o que não acontecia há dez anos. Estes três exemplos mostram o dinamismo de uma doença que atinge um território onde vivem 2500 milhões de pessoas. Ainda não há uma vacina, mas a descoberta agora de uma nova classe de anticorpos que atacam com eficácia os quatro principais tipos de vírus poderá vir a mudar este cenário.

“O grande problema com a febre de dengue é que tem um estilo epidémico. Por isso, pode paralisar o sistema de saúde quando surge numa grande cidade, causando milhares de hospitalizações”, explicou Gavin Screaton, responsável pela investigação publicada ontem na revista Nature Immunology, numa conferência de imprensa do grupo da Nature.

O vírus da dengue é transmitido principalmente pelo Aedes aegypti, um mosquito que vive nas regiões tropicais e subtropicais e que prolifera em meio urbano em pequenos habitats aquáticos. Hoje, este mosquito é endémico no Sudeste da Ásia, na Austrália, na África, no Leste do Mediterrâneo, na América do Sul e Central. Porém, antes de 1970, a dengue existia em apenas nove países. Com o aumento de população, uma maior urbanização, viagens por todo o globo e as alterações climáticas, o mosquito e o vírus espalharam-se por mais de 100 países.

Dos 400 milhões de pessoas que se estima serem infectadas pelo vírus todos os anos, perto de 100 milhões desenvolvem sintomas. Na maioria dos casos, os doentes têm febre alta, podendo ainda sofrer de dores musculares, dores nas articulações, náuseas ou erupções cutâneas. 

Mas cerca de 500.000 pessoas têm uma forma grave da dengue, que pode causar hemorragias e matar cerca de 2,5% dos doentes. Mas este tipo de sintomas está associado normalmente a uma segunda infecção da dengue. Quando uma pessoa é infectada por um dos cinco tipos do vírus fica imune a esse tipo mas não aos outros quatro. Se volta a ser infectada por outro tipo de vírus, essa pessoa corre um risco acrescido de ter dengue severa.

Os cientistas pensam que esta reacção exacerbada da segunda infecção está associada à resposta do sistema imunitário humano, mas ainda não se sabe explicar o fenómeno. No caso do surto da Madeira em 2012, em que só existia o tipo 1 do vírus da dengue, não houve nenhuma morte.

Não há nenhum tratamento específico depois de as pessoas serem infectadas. E as vacinas experimentais que estão a ser testadas têm de ter em conta cada um dos cinco tipos de vírus, já que a imunização contra apenas um é insuficiente.

O trabalho da equipa de Gavin Screaton poderá tornar menos complexa a produção de uma vacina contra esta doença. Os investigadores começaram por analisar o sangue de sete doentes de dengue para procurar anticorpos contra o vírus.

Os anticorpos são produzidos por certas células do sistema imunitário e reconhecem os antigénios — moléculas que compõem o exterior dos organismos patogénicos que nos infectam, quer sejam parasitas, bactérias ou vírus. Ao agarrarem-se a estes antigénios, os anticorpos sinalizam onde estão estes organismos patogénicos e desencadeiam uma resposta imunitária mais eficaz.

Ao todo, a equipa identificou e produziu 145 anticorpos humanos monoclonais contra a dengue a partir dos sete doentes. De seguida, os cientistas foram procurar quais os antigénios presentes no invólucro do vírus da dengue a que estes 145 anticorpos se ligam.

Desta forma, a equipa descobriu uma classe de anticorpos, que é composta por quase um terço dos 145 anticorpos e que se liga a um antigénio no invólucro proteico do vírus da dengue até agora desconhecido. Este antigénio faz a ligação entre duas subunidades de proteínas que formam uma molécula mais complexa do invólucro do vírus.

Além disso, os cientistas descobriram que esta classe de quase 50 anticorpos reage eficazmente aos quatro principais tipos do vírus (o quinto só foi descoberto em 2013), conforme verificaram em experiências laboratoriais. Ou seja, esses anticorpos ligam-se às subunidades de proteínas existentes no invólucro dos quatro tipos de vírus. Por isso, a equipa acredita que é possível criar uma vacina baseada nesta descoberta e que pode gerar uma imunização contra estes vírus da dengue, algo inédito para esta doença.

A vacina seria composta por uma estrutura proteica com a ligação que funciona como antigénio. Em teoria, a vacina levaria o sistema imunitário humano a produzir esta classe de anticorpos que nos protegeria contra a dengue.

Estes novos anticorpos só foram encontrados em alguns dos sete doentes analisados. E os cientistas ainda não têm a certeza de que os doentes que os produziram naturalmente estejam, de facto, imunizados contra os quatro tipos de vírus. “Pensamos que estão”, diz Gavin Screaton ao PÚBLICO. Mas a sua equipa ainda vai tentar confirmar esta suposição. De qualquer forma, a produção de uma vacina “ainda vai demorar vários anos”.

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