Porquê um Conselho Geral Independente para a RTP?

O Estado não se demite. Pelo contrário, irá garantir com este modelo um serviço público melhor e mais credível.

Para que serve um serviço publico de rádio e televisão? E qual a melhor forma de o conseguir? São estas as duas perguntas que devemos colocar quando refletimos sobre o serviço público de radio e televisão. Foram estas as questões que o Governo teve em mente na profunda reforma que fez desse serviço público.

Existem seguramente diferentes visões do que deve ser o serviço público de radio e televisão, mas nalgumas prioridades muitos estarão de acordo: o serviço público deve ser um regulador de qualidade, sendo um referencial de qualidade que induza também maior qualidade nos operadores privados; deve ser garante de independência e pluralismo; deve ser um promotor internacional da cultura e economia portuguesas e um fator de ligação às nossas comunidades e ao mundo lusófono; finalmente, deve cada vez mais centrar-se nos conteúdos e contribuir para um sector audiovisual independente mais dinâmico e inovador.

Não basta, no entanto, afirmar estes objetivos. A prossecução destes objetivos depende de uma certa cultura institucional na empresa. Por outro lado, a concretização desses objetivos nunca será totalmente consensual. Existirão diferentes ideias do que lhes corresponde. É importante que essas ideias sejam discutidas publicamente e que a RTP tenha um modelo de governo, em que as orientações estratégicas definidas sejam transparentes e o menos possível contaminadas por debates político-partidários.

É por isso que um pilar fundamental desta reforma é a criação de um Conselho Geral Independente que passa, nomeadamente, a escolher e poder destituir os Conselhos de Administração. A desgovernamentalização da empresa vai não apenas diminuir o risco de interferência política. Ao retirar carga política à supervisão permite uma orientação estratégica mais eficaz e transparente.

Alguns parecem não querer levar a sério esta reforma e confrontados com a sua aplicação recusam-se até a compreendê-la. Apenas a ignorância do modelo e dos factos pode justificar que alguns insinuem que o CGI pode ser instrumento do Governo. A forma de seleção dos seus membros, sua inamovibilidade, regras de funcionamento e poderes atribuídos garantem o contrário. Basta ver quem são as pessoas que o compõem para confirmar essa independência. Alguns vão levar tempo a compreender a diferença, mas uma das vantagens do modelo vai ser não confundir o debate público sobre a RTP, em que Governo e partidos políticos podem sempre participar, com interferência na própria RTP, protegida na sua independência pelo CGI. Impressiona a resistência em conceber algo independente em Portugal. Impressiona também a superficialidade de análise. Dizem que o modelo veio criar confusão entre o CA e o CGI. Ou seja, quando a relação era entre o CA e o Governo não havia confusão mas passa a haver quando o Governo é substituído por um Conselho Geral Independente? Dizem também que o modelo não é adequado à nossa cultura. Aparentemente, a nossa cultura exige sempre um Governo a mandar na RTP...

Há três tipos de modelos de governo do serviço público de rádio e televisão:

1) Um modelo assente na supervisão ou tutela do Governo (o modelo vigente em Portugal até agora); 2) Um modelo assente num órgão de supervisão ou gestão da própria empresa com representação parlamentar e/ou participação de diferentes grupos sociais); 3) Um modelo assente num órgão independente de supervisão interna, como aquele agora adotado em Portugal.

Que sabemos nós sobre o funcionamento destes diferentes modelos, incluindo em Portugal?

Um estudo internacional de 2013 identifica Portugal como um dos países onde a perceção pública da qualidade dos canais televisivos públicos é pior.

A acompanhar-nos nessa posição estão outros países com modelos de envolvimento governamental ou parlamentar no serviço público de televisão. No outro extremo (com as melhores avaliações) estão países em que o serviço público está isento de controlo governamental.

Outro estudo concluiu que a confiança na comunicação social é bastante superior nos países em que o serviço público não é tutelado pelo Governo. Também um relatório da UNESCO identifica frequentes instâncias de interferência política onde o modelo tende a envolver os partidos políticos via Parlamento ou Governo. Acrescente-se que os estudos são claros na correlação que estabelecem entre a qualidade e credibilidade do serviço público e o seu modelo de governo ou supervisão.

Os factos justificam plenamente a opção tomada para a RTP. Sejamos claros: nenhum modelo é isento de crítica e de ruído mas o modelo anterior era claramente insatisfatório. Os portugueses sabem-no e a comparação internacional comprova-o. A alternativa ao modelo de independência e desgovernamentalização adotado teria sido um modelo mais assente na representação parlamentar (pluripartidária) ou social. Este modelo funciona bem nalguns Estados escandinavos mas noutros países (sem a cultura de consenso dos países escandinavos) tem antes resultado numa repartição política do controlo sobre o serviço público de rádio e televisão.

O erro mais comum, aqui como noutras matérias em Portugal, é confundir-se o Estado com o Governo. O que a história do serviço público e as comparações internacionais nos dizem é que, nesta área, o interesse público pode ser melhor prosseguido com menos governamentalização. O Estado não se demite. Pelo contrário, irá garantir com este modelo um serviço público melhor e mais credível.

Ainda agora o novo modelo entrou em funcionamento e já são várias as vozes do Restelo que o querem matar à nascença. A RTP nunca deixará de suscitar opiniões diferentes. Mas esse debate será bem melhor e mais produtivo quanto mais credível e politicamente independente for o serviço publico. É para isso que, com o tempo, este novo modelo vai contribuir. De uma coisa estou certo, não é continuando a fazer o mesmo que obteremos resultados diferentes...

Ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional

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