Cerco em café de Sydney acaba com a morte do sequestrador e dois reféns

Polícia avançou para o local depois de 16 horas de impasse. Man Haron Monis, um autoproclamado xeque, manteve 17 reféns sob a ameaça de arma de fogo.

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Poderá ter sido a fuga de reféns, ao fim de 16 horas de sequestro, que levou Man Haron Monis a disparar REUTERS/Jason Reed

As autoridades australianas conheciam bem Man Haron Monis, o homem que se barricou dentro de um café no movimentado centro de Sydney e entre as 9h45 e duas da madrugada (hora local) manteve 17 pessoas reféns, brandindo uma arma de fogo e uma bandeira negra com inscrições semelhantes às usadas por grupos terroristas como o Estado Islâmico ou a Al-Qaeda.

Monis, que também se identificava pelos nomes de Mohammad Hassan Manteghi e Manteghi Boroujerdi, chegou ao país em 1996 com o estatuto de refugiado, vindo do Irão: nos anos subsequentes, este homem que se autoproclamava xeque, coleccionou uma série de acusações e compareceu por várias vezes em tribunal – estava, aliás, em liberdade condicional, depois de ter sido condenado como cúmplice no assassínio da ex-mulher.

Não se conhecem as razões por trás do seu derradeiro acto: o sequestro chegou ao fim em poucos minutos, quando as forças especiais que montaram cerco ao local receberam ordem para invadir o café. A ofensiva foi precipitada depois de se ouvirem tiros no interior, alegadamente disparados por Monis, que não sobreviveu ao confronto com a polícia. Além do sequestrador, morreram dois reféns, um homem de 34 anos e uma mulher de 38 anos, que foram baleados (não se percebeu ainda se atingidos pelo sequestrador ou na troca de tiros com a polícia). Outras três reféns foram tratadas no hospital a ferimentos graves, mas não corriam risco de vida.

A ordem foi dada por "se ter acreditado, no momento, que muitas vidas poderiam ser perdidas se a polícia não interviesse e tomasse o local”, explicou o comissário da polícia de Nova Gales do Sul, Andrew Scipione. Os comandos do Royal Australian Regiment avançaram para o café Lindt de arma em punho, abrindo caminho com granadas de fumo, poucos minutos depois de sete reféns terem escapado a correr, de braços no ar, por uma porta lateral do edifício. A fuga poderá ter sido a razão que levou Monis a disparar – até lá, o sequestrador e as autoridades estiveram envolvidos em negociações, cujos contornos ainda não foram divulgados.

“Todos os factos serão apurados: o que aconteceu dentro do café e o que aconteceu fora”, prometeu o comissário da polícia, que nas primeiras declarações oficiais após o fim do cerco informou que o caso estava a ser tratado como um “incidente critico” e que um inquérito tinha sido já lançado. “Mas este não é o momento para especulações ou para desenvolver teorias”, acrescentou, para evitar responder a questões sobre as motivações do sequestrador.

Não era ameaça terrorista
Uma das dúvidas tinha a ver com o facto de Man Haron Monis, suspeito de crimes de assédio sexual e em liberdade condicional, ter escapado à vigilância da polícia. O chefe do governo de Nova Gales do Sul, Mike Baird, evitou responder sobre como terá Monis conseguido fazer este sequestro: “O que me preocupa é a ocorrência de um ataque horrendo e cruel no coração da nossa cidade. Faremos tudo o que for possível para que isto nunca mais volte a acontecer”, declarou.

De acordo com a imprensa australiana, a vigilância sobre Monis não era apertada e o autoproclamado xeque e “activista pela paz” não estava referenciado como uma ameaça à segurança nacional: as investigações de que foi alvo tinham excluído a sua ligação a organizações terroristas. O que não quer dizer que não representasse um risco: várias pessoas – desde amigos seus no Irão que falaram com o The New York Times, até ao advogado australiano que o representou – descreveram-no usando expressões como “claramente perturbado” ou “doido varrido”.

Denunciado pela comunidade xiita australiana como um falso clérigo, que se descrevia como xeque ou ayatollah, Monis acabava de anunciar na sua página do Facebook uma conversão ao ramo sunita do islão, e tinha recentemente publicado um longo manifesto, dirigido aos “muçulmanos de todo o mundo”, onde se referia à caneta como uma arma e às palavras como balas. “Essas são as armas com que combato contra a opressão, para promover a paz”, dizia.

Os seus problemas com a justiça começaram depois de ter sido acusado pelo envio de cartas consideradas ofensivas às famílias de soldados australianos mortos no estrangeiro. Depois de ter esgotado todos os recursos para evitar que o caso fosse levado a tribunal, foi condenado em Agosto do ano passado a 300 horas de trabalho comunitário.

"Curandeiro espiritual"
Meses depois, foi acusado de cumplicidade na morte da ex-mulher, esfaqueada e queimada no apartamento em que vivia, em Sydney, num crime atribuído à sua actual companheira. À espera de julgamento, foi acusado já em Abril de assédio e ofensas sexuais contra uma mulher a quem se apresentou como “curandeiro espiritual”. Segundo a polícia, Monis apresentava-se como perito em astrologia, meditação e magia negra. Depois da sua detenção, mais 40 mulheres subscreveram a queixa contra ele por conduta imprópria, acusações que o próprio rejeitou como fazendo parte de uma perseguição policial contra ele.

Vários especialistas fizeram questão de descrever Man Haron Monis como um criminoso e não como um radical islamista, e criticaram as referências ao “terror” ou ao Estado Islâmico nas manchetes da imprensa de Sydney. Como distinguiu Juan Cole, da Universidade do Michigan, o facto de o sequestrador se ter apresentado com uma bandeira com inscrições islâmicas não transforma o incidente num ataque terrorista: “Tratou-se de um sequestro com reféns, protagonizado por um criminoso”.

Um sinal de que os australianos se deram conta dessa diferença surgiu ainda no decurso do cerco, quando uma mensagem publicada no Twitter, sob a cifra “I’ll ride with you”, se tornou o tópico mais mencionado no país, e em poucas horas se tornou uma campanha de apoio e solidariedade, em que indivíduos se ofereciam para acompanhar muçulmanos que temessem viajar sozinhos em transportes públicos.

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