Farooq Chaudhry acreditou em Akram Khan a ponto de vender o apartamento

Em debate no CCB, a propósito da passagem de Akram Khan por Portugal, estiveram a importância da figura do produtor e das co-produções como modelos de sobrevivência e sucesso artístico. A relação entre Farooq Chaudhry e Khan acabaria por se tornar o exemplo a seguir.

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Richard Houghton

Akram Khan é Akram Khan devido a Farooq Chaudhry. Em palco, naturalmente, é Khan que vemos.

Mas a importância sacramental do produtor e a cumplicidade no trabalho continuado com o bailarino inglês foi a grande lição do debate Dance: a Step Forward, associado ao festival InShadow e que o British Council organizou no Centro Cultural de Belém, aproveitando a passagem de Khan por Lisboa, há pouco mais de uma semana, para apresentar Desh (um dos espectáculos do ano para os críticos de dança do PÚBLICO).

A relação entre Khan e Chaudhry seria referida como modelo exemplar pelo crítico britânico Donald Hutera e pelo bailarino brasileiro Pedro Machado, membro da companhia londrina CandoCo (projecto de inclusão pela dança). Mas como Farooq se apressou a explicar, “estratégia é o nome que se dá a juntar as peças todas que construíram um caso de sucesso e depois se conta aos outros para passar por inteligente”. Não houve nada disso na história dos dois. O caminho foi descoberto a cada passo. E Chaudry lembraria o risco que tomou quando, depois de se apaixonar estrondosamente pela arte de Khan em 2000, chegou a casa e anunciou à mulher: “Vamos ter de mudar-nos daqui por um mês porque tenho de vender o apartamento”.

“Éramos muito novos, não sabíamos o que estávamos a fazer e estabelecemos uma relação muito forte”, diria mais tarde Chaudhry ao PÚBLICO. “Ao fim de cinco minutos sabíamos que era importante servirmo-nos um ao outro, mas também criar uma situação em que pudéssemos crescer juntos. Mas não gosto que falem de nós como modelo, porque não é uma fórmula.” A tentação de ver na dupla um modelo é, no entanto, compreensível. Sobretudo porque o levantamento informal realizado por Hutera junto de intérpretes e produtores sobre as necessidades do mundo actual da dança continua a traduzir-se na sua maioria em estruturas mínimas e com espectáculos autoproduzidos, reduzidos ao mínimo possível de cenário e adereços para garantir a sua itinerância. O testemunho de Pedro Machado apontaria num sentido semelhante – até à recente entrada de um produtor na CandoCo, eram os artistas quem procurava financiamento e se preocupava com a sustentabilidade de cada projecto. Essa dispersão “não permitia preparar uma digressão de peças mais ambiciosas e ser realmente uma companhia de reportório”. Cada novo projecto eclipsava todos os outros.

É por isso que impressiona o discurso de Chaudhry, dizendo-se o responsável por permitir que Akram Khan apenas tenha de se ocupar da criação. Quando Khan lhe perguntou se podia pensar numa obra sem se preocupar com as dificuldades levantadas por uma digressão e pelos custos associados, Farooq colocou-se em campo, buscou financiamentos além-fronteiras, parcerias artísticas e ajudou a montar Desh, uma peça que, segundo revela ao PÚBLICO, “custou mais de 800 mil euros – mas vale cada cêntimo”. Esse valor mede-se pela reputação artística conseguida como resultado. Este sentido da co-produção com estruturas internacionais seria identificado por Rui Horta, coreógrafo e director d’O Espaço do Tempo, como um dos vectores essenciais para a sobrevivência e o florescimento da dança portuguesa. Até porque, sublinharia, Portugal tem um amplo conjunto de salas onde a dança se pode mostrar, mas frequentemente com uma programação deficiente ou residual.

O problema dos casos de grande sucesso na dança, contrapõe Hutera, é que “as fatias do bolo são cada vez maiores e dadas a um número cada vez menor de pessoas”. E, no entanto, Chaudhry revela ao PÚBLICO ter saudades dos primeiros anos. “Quando éramos intrépidos e não tínhamos sucesso, ninguém nos conhecia. É um perigo podermos tornar-nos preguiçosos. Falamos muito sobre isso.” O passo para a frente, diz, pode muitas vezes ser dado a olhar para trás.

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