SEC e Pinamonti não comentam demissão do São Carlos

Na manhã desta quarta-feira a secretaria de Estado da Cultura fez saber que emitiria um comunicado "ao princípio da tarde". Esse brevíssimo texto confirma apenas a saída de Pinamonti sem a explicar ou comentar

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Paolo Pinamonti (à direita) com Jorge Barreto Xavier (ao centro) e José António Falcão, presidente do conselho de administração do Opart Rui Gaudêncio

A Secretaria de Estado da Cultura (SEC) não comenta a notícia da demissão do musicólogo italiano Paolo Pinamonti do seu cargo como consultor artístico do Teatro Nacional de São Carlos (TNSC), o único teatro de ópera português.

A notícia avançada esta quarta-feira em Portugal pelo Expresso diz que Pinamonti se demitiu na terça-feira alegando incompatibilidade entre o cargo de Lisboa e o cargo que ocupa em Madrid como director do Teatro de La Zarzuela – a lei espanhola não permitirá a acumulação de cargos, diz o semanário. A mesma notícia foi avançada em primeira mão em Espanha pelo site da rádio Cadena Ser na terça-feira ao fim da tarde. 

Contactado pelo PÚBLICO, na manhã desta quarta-feira Pinamonti recusou confirmar a notícia, mas também não a desmentiu. Na mesma altura, João Póvoas, assessor para a comunicação da SEC, remeteu para um comunicado a emitir “ao princípio da tarde”. Esse brevíssimo texto, que chegou às redacções às 17h, confirma apenas a rescisão do contrato de Pinamonti, sem a explicar ou comentar.

"O Gabinete do Secretário de Estado da Cultura foi informado de que Paolo Pinamonti, consultor artístico do Teatro Nacional de São Carlos, solicitou a rescisão do seu contrato celebrado com o Opart", lê-se no comunicado. Que tem apenas mais uma frase: "A temporada 2014/2015 do Teatro Nacional de São Carlos está em curso e não será afectada por esta circunstância." Pinamonti, que ficara de falar ao PÚBLICO ao fim da tarde, não voltou a mostrar-se contactável.

Segundo a notícia de terça-feira da Cadena Ser, há já “mais de um ano” que o Instituto Nacional das Artes Cénicas e da Música espanhol (INAEM) sabia que o contrato que Pinamonti se preparava para celebrar com o TNSC, através do Opart, o organismo que gere o teatro, não seria completamente aceitável. A mesma notícia cita o que será um parecer do INAEM onde se lê: “Ainda que a natureza do trabalho desenvolvido por Pinamonti no Teatro Nacional de São Carlos seja meramente artística e compatível com a legislação espanhola, a fórmula contratual adoptada por ambas partes não é a mais adequada ao estipulado pela Lei de Incompatibilidades espanhola.”

Segundo a mesma notícia, o INAEM terá comunicado na semana passada a Pinamonti “a necessidade de deixar sem efeito o seu recente contrato com o TNSC”.

Este poderá contudo não ser o fim da colaboração de Pinamonti com o São Carlos, diz a Cadena Ser: o INAEM terá sugerido que o musicólogo procure “novas fórmulas de colaboração com a dita entidade que sejam compatíveis com a lei espanhola”.  

Na reconstituição cronológica de eventos feita pela rádio espanhola, em 2013, quando a comunicação social portuguesa tornou pública a nomeação de Pinamonti para o TNSC, a União Geral de Trabalhadores de Espanha (UGT) questionou de imediato o INAEM. A 27 de Novembro a secretária-geral do INAEM de então, Rosario Gálvez – recentemente destituída –, terá respondido à União que Pinamonti não tinha com o TNSC “qualquer vínculo profissional ou contratual”, apenas “uma boa relação pessoal” com o teatro.    

Apesar desta resposta, quase um mês antes Gálvez terá consultado o Gabinete de Conflito de Interesses (OCI, na sigla espanhola) da Secretaria de Estado da Administração Pública. A Cadena Ser teve acesso à resposta emitida a 7 de Novembro do mesmo. Nela, a directora da OCI, María López, comunicava que “não seria possível reconhecer a compatibilidade a um empregado do Instituto [INAEM] com contrato de alta direcção para o exercício das actividades de consultoria descritas para uma instituição estrangeira.”

Fontes próximas de Pinamonti disseram à Cadena Ser que o contrato assinado em 2011, por cinco anos, pelo musicólogo com a Zarzuela incluiria uma cláusula que lhe permitiria desenvolver actividades de consultoria internacional como aquelas com que se comprometeu em Lisboa, no entanto, a rádio sublinha que quando aceitou colaborar com o TNSC o musicólogo “já sabia que a futura assinatura [de um contrato] seria incompatível com a legislação espanhola”.

E também em Portugal a relação laboral com o TNSC levantou dúvidas.

Pinamonti assumiu funções no São Carlos a 1 de Janeiro, ocupando um cargo até então inexistente – o de consultor artístico, em vez de director artístico, como foi entre 2001 e 2007. Até ao final de Outubro – ou seja, por dez meses –, o seu contrato não foi publicado na plataforma online Portal Base, requisito necessário para a validade de qualquer contrato celebrado por ajuste directo para cargos como o de Pinamonti na função pública. Devido a essa falha, em meados de Outubro cinco deputados do PS questionaram o secretário de Estado da Cultura (SEC), Jorge Barreto Xavier, sobre “irregularidades nos processos contratuais” no São Carlos.

Depois de em Junho terem interpelado, sem resposta, pela primeira vez o SEC sobre o tema, a 3 de Outubro, a ex-ministra da Cultura Gabriela Canavilhas, Acácio Pinto, Carlos Enes, Eliza Pais e Inês de Medeiros puseram ao SEC, por escrito, cinco perguntas, entre as quais qual o regime contratual de Pinamonti, qual a duração do contrato e o montante da retribuição anual prevista. Nessa mesma altura, o PÚBLICO pediu à SEC esclarecimentos sobre o tema. O assessor para a comunicação, João Póvoas, remeteu quaisquer respostas para o Opart. Pinamonti recusou também comentar: “É entre a SEC e o Opart.”

Esclarecendo apenas ter um contrato – “claro que tenho, caso contrário como poderia trabalhar?” –, o musicólogo disse então nada haver a esconder: “Está tudo à luz do sol, mas deve ser a Secretaria de Estado a responder.” Por email, a directora de relações externas do Opart, Raquel Maló Almeida, fez saber ao PÚBLICO que com Pinamonti fora celebrado um contrato “pelo prazo de três anos” e que, tendo em conta as características excepcionais do convite dirigido pela SEC ao musicólogo italiano – sendo um consultor, e não um director –, esse contrato era “de prestação de serviços, não se coadunando com os parâmetros do Portal Base”.

Essa afirmação foi posteriormente desmentida ao PÚBLICO por vários especialistas em direito administrativo e, apesar de no mesmo email a directora de relações externas do Opart fazer saber que não obstante ausente do Base esse contrato estava “disponível para consulta”, o acesso exigido por lei ao documento nunca foi facultado ao PÚBLICO.   

A 5 de Novembro Pinamonti assinaria um contrato, esse sim publicado no Portal Base. Segundo o Expresso, até então, o musicólogo não teria podido assumir um vínculo contratual com o Opart devido a dívidas de 14 mil euros que tinha com a Segurança Social.

Apesar de ao longo desta quarta-feira se terem mantido incontactáveis, não prestando declarações ao PÚBLICO, responsáveis do Opart terão prestado declarações à Cadena Ser afirmando que este organismo de produção “não foi informado da existência de possíveis incompatibilidades” contratuais. Esses mesmos responsáveis não identificados terão ainda feito saber que a 5 de Março de 2014 foi assinado entre o Opart e Pinamonti um primeiro contrato com efeitos retroactivos até 1 de Janeiro do mesmo ano, “um contrato regido pela legislação portuguesa”. A 5 de Novembro o novo contrato foi assinado com efeitos retroactivos até 21 de Outubro e vigente até 31 de Dezembro de 2016.

Esta tarde, a Lusa recordava como em Março de 2014, na apresentação da programação do TNSC, Jorge Barreto Xavier foi questionado pelos jornalistas sobre a escolha de Pinamonti e evocou “a particular relação de trabalho” com o seu homólogo espanhol e “a colaboração entre Governos e Estados”, reforçando os argumentos na base da escolha do programador italiano. 


Notícia alterada às 17h00 com conteúdos do comunicado da SEC

Notícia alterada às 20h18 com conteúdos da notícia de terça-feira da Cadena Ser

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