Portugal é o país da União Europeia onde mais se morre por pneumonia

Elevado índice de envelhecimento e cultura de encaminhar para os hospitais os doentes em fim de vida podem justificar o elevado número de mortes por pnemonia no país, diz especialista.

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Portugal tem a taxa de mortalidade por pneumonia mais elevada no conjunto dos países da União Europeia (UE) e, no contexto das doenças respiratórias em geral, só o Reino Unido nos suplanta na proporção de óbitos. “Portugal encontra-se numa situação desfavorável quanto à mortalidade por doenças respiratórias” e a principal explicação reside “na elevada mortalidade por pneumonia" (49,9 por 100 mil habitantes, a maior no conjunto dos países europeus em análise, sublinham os autores do relatório “Portugal - Doenças Respiratórias em Números 2014” que é apresentado esta terça-feira, em Lisboa.

Os responsáveis do Programa Nacional para as Doenças Respiratórias da Direcção-Geral da Saúde (DGS) que elaboraram o documento não adiantam explicações para este fenómeno. Frisam, apenas, que as doenças respiratórias estão relacionadas com as faixas etárias mais afectadas (os idosos), as condições atmosféricas e com a virulência do vírus da gripe em cada ano. Por isso, voltam a destacar a necessidade de aumentar a taxa de cobertura da vacinação contra o vírus da gripe, sobretudo nos idosos e nos chamados grupos de risco.

A elevada taxa de mortalidade por pneumonia nos hospitais portugueses não surpreende os especialistas. “São dados que corroboram o que já vinha acontecendo em anos anteriores”, afirmou ao PÚBLICO Carlos Robalo Cordeiro, presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP).  Durante a apresentação do anterior relatório, em 2013, os responsáveis da DGS já tinham revelado que a taxa de mortalidade por pneumonia correspondia ao dobro da média europeia e reconheciam a necessidade de estudar os motivos que justificam a situação nacional. Mas esse estudo continua por fazer.

“Isto pode ter a ver com vários factores: temos dos maiores índices de envelhecimento da Europa e uma cultura de encaminhar para os hospitais os doentes idosos com múltiplas complicações, em fim de vida”, ensaia, em jeito de explicação, Carlos Robalo Cordeiro. A estas razões soma-se “algum  viés”  na codificação das doenças que provocam a morte no país. “Portugal pode estar a codificar melhor, ao apontar a pneumonia como principal causa de morte”, sustenta.

A crise económica poderá também ter algum impacto neste fenómeno, mas Carlos Robalo Cordeiro defende que “não é fácil fazer essa ligação”.  “A vacina anti-pneumocócica é muito cara e não é comparticipada, o aquecimento das habitações é insuficiente, a alimentação [com a crise] não será tão equilibrada. Mas [relacionar tudo isto com a crise] é especulativo”, admite. Alterar os negros números de Portugal implicaria reforçar os serviços domiciliários para que as pessoas em fim de vida pudessem ficar em casa ou nas instituições onde residem,  como os lares,  “com um bom apoio médico e de enfermagem”, sem terem de ir parar aos hospitais, recomenda o presidente da SPP.

Ainda no que se refere à mortalidade, os autores do relatório da DGS voltam a assinalar, como já tinham feito no ano passado, as assimetrias regionais, com as regiões autónomas da madeira e dos Açores a destacar-se pela negativa e a região de Lisboa pela positiva. As doenças respiratórias são a principal causa de morte nos hospitais (mais de um quarto do total de óbitos).

Mas nem tudo é mau no documento do Programa Nacional das Doenças Respiratórias. Na doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) e na asma, duas das principais patologias respiratórias, a mortalidade em Portugal até foi mais baixa do que na generalidade dos outros países da União Europeia. Entre 2009 e 2012, observou-se também um decréscimo da mortalidade por doenças respiratórias em geral na população abaixo dos 65 anos. Um fenómeno que permite concluir que a mortalidade por doença respiratória não corresponde à chamada mortalidade prematura, tendo mesmo diminuído os anos de vida potencial perdidos, acentuam os autores do relatório.

Em 2013, ao que tudo indica em resultado sobretudo de uma época de gripe bem menos virulenta do que a de 2012, verificou-se um decréscimo acentuado no total de internamentos por doenças respiratórias  em hospitais públicos, da ordem dos 6%.  Principal justificação? A diminuição dos internamentos por pneumonia  (menos 1954), por doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), com menos 730 casos,  e por asma (271). Em sentido contrário, os internamentos por fibrose pulmonar aumentaram de forma consistente desde 2009 (só entre 2012 e 2013 foram mais 282).

Necessárias mais espirometrias
Já nos centros de saúde têm aumentado os inscritos com diagnóstico de asma e de doença pulmonar obstrutiva crónica, e, em geral, as espirometrias (exames que permitem medir o fluxo de ar que entra e sai dos pulmões) mais do que triplicaram entre 2011 e 2013. 

No entanto, quando se analisa a percentagem de inscritos com DPOC baseado em espirometria, esta tem crescido “muito discretamente nas regiões Norte, Centro e de Lisboa e Vale do Tejo”; e, no Alentejo e no Algarve, até tem decrescido, fenómeno classificado como “preocupante” no relatório. “Estes dados revelam uma fraca capacidade diagnóstica para a DPOC” nos centros de saúde, “o que aumenta a probabilidade de internamentos evitáveis nos hospitais”, justificam os autores, frisando que há  uma elevada taxa de segundos episódios de internamento associados a estas patologias.

“Há poucas espirometrias sobretudo nas regiões onde o acesso é menor, como o Alentejo e o Algarve, que têm menos médicos especialistas. Mas é preciso criar condições [para que estas aumentem]”, defende, a propósito, Carlos Robalo Cordeiro.

Para definir medidas no futuro, a DGS e a Sociedade Portuguesa de Pneumologia pediram entretanto uma análise económica para avaliar o custo-efectividade do diagnóstico precoce da DPOC e o eventual aumento do número de anos de vida saudável.

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