Salgado atira culpas para o Banco de Portugal e Governo: “O BES não faliu, foi forçado a desaparecer”

Ex-presidente do BES disse que teria saído “na hora”, se o governador do Banco de Portugal lhe tivesse dito.

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Ricardo Salgado Daniel Rocha

O governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, foi um dos grandes alvos de Ricardo Salgado na sua audição na comissão de inquérito ao BES, na manhã desta terça-feira. Depois de na intervenção inicial ter acusado o supervisor de uma acção “vaga e imprecisa” para o retirar da liderança do banco, Ricardo Salgado disse que o governador do BdP nunca lhe pediu que saísse e argumentou que “o modelo da resolução cria o descalabro final, que é a queda da garantia de Angola".

Questionado pelo deputado socialista Pedro Nuno Santos sobre "como conseguiu convencer o BdP a não lhe retirar a idoneidade", Salgado explicou: "Ouvi com surpresa as intervenções do senhor governador do Banco de Portugal dizer que ‘tomou várias iniciativas para que deixasse a governação do BES’.”

"Nunca o senhor governador me disse que me tirava a idoneidade. Bastaria ter feito um sinal [para que tivesse saído]", garantiu Salgado. E repetiu, mais tarde, esta ideia com outras palavras: “O senhor governador nunca me disse [em Junho de 2014] que eu devia sair, mas que toda a família teria de deixar as estruturas do BES. Se o senhor governador me tivesse dito para eu sair, eu saía na hora – mas na hora”, acrescentou Salgado, que voltaria ainda depois ao tema: “Se houve um braço-de-ferro com o governador do Banco de Portugal, eu não senti...”

"Ouvi com surpresa o senhor governador dizer que tinha mantido um braço-de-ferro comigo", observou Salgado. E ironizou: "Não tenho os braços-de-ferro." E relata ter recebido mais de 30 cartas do BdP: "Mas nunca um sinal de que houvesse suspeitas sobre a minha idoneidade." "[Se o BdP] quisesse que eu saísse, era muito fácil, mas muito fácil." O ex-banqueiro assegura que não tem “por hábito mentir" ("nunca menti") e que deu sempre "as respostas solicitadas" pelo supervisor.

Salgado salientou também que no final de 2012 foi por sua “livre iniciativa ao BdP" falar da questão da idoneidade [na sequência da regularização por três vezes da sua declaração fiscal e da alegada comissão de 14 milhões de euros que recebeu do cliente José Guilherme] e que nunca mais o tema voltou a ser referido.

O deputado do PCP Miguel Tiago, por sua vez, registou uma contradição: "Diz que nunca sentiu [que existissem dúvidas por parte do BdP sobre a sua idoneidade, mas] teve a necessidade de pedir dois pareceres a juristas para sustentar a sua idoneidade." "É estranho”, disse o deputado comunista.

A 31 de Março de 2014, antes do aumento de capital, Salgado conta que escreveu a Carlos Costa a disponibilizar-se para deixar o BES e liderar uma "mudança construtiva na governação" e que o governador lhe pediu para a liderar. Esta carta foi enviada, então, ao Presidente da República, ao primeiro-ministro, "que a devolveu", à ministra das Finanças e a Durão Barroso. A versão de Salgado contraria a revelada pelo governador nesta comissão de inquérito.  

Ricardo Salgado criticou ainda Carlos Costa no processo da sua sucessão, em que inicialmente foi indicado Amílcar Morais Pires e depois Vítor Bento.

O ex-líder do BES contou que em “fins de Junho” sugeriu o nome de Morais Pires a Carlos Costa, que respondeu "que precisava de dois dias para pensar”: “Depois telefonou-me a dizer que será quem o senhor presidente entender.”

Uma versão que Carlos Costa veio desmentir, já depois da audição de Salgado.

Ricardo Salgado atribui ainda culpas ao Banco de Portugal e ao Governo no modelo de resolução do BES, dividido em banco bom e banco mau. “O descalabro final” do BES "foi a queda da garantia de Angola" decretada na sequência da intervenção estatal ao BES pelas autoridades, BdP e Governo, acusou. “O BES não faliu, o BES foi forçado a desaparecer”, defendeu Salgado, revelando que nunca foi ao Governo pedir que o Estado português injectasse fundos no GES, mas "pedir um empréstimo intercalar [2500 milhões] para ser pago a cinco anos".

"Pedimos tempo ao BdP [para concretizar o plano de reorganização do GES e] tempo foi o que não nos foi dado", acrescentou. O banqueiro salientou que vender activos apressadamente é um passo para fazer negócios ruinosos. O projecto da Rioforte, a holding do GES não financeira, era vender activos de 1500 milhões até final de 2014 e 3500 milhões até final de 2018. "Agora os activos estão aí para serem vendidos [pelos administradores de falência]", observou Salgado, suspirando.

O ex-presidente do BES destacou ainda que o facto de o BdP, a 29 de Julho, dias antes da intervenção estatal, ter dado 48h para o BES fazer um aumento de capital "foi uma forma de o BdP se desresponsabilizar" pelo colapso daquele que, era na altura, o segundo maior banco privado. "Não há forma de fazer [um aumento de capital num tão curto espaço de tempo]." "Isto estava tudo orientado no sentido [de deixar o GES e o BES falir]", disse o banqueiro. Segundos depois, após conversar com o advogado, comentou: “Parece que isto estava tudo orientado para o mesmo. Peço desculpa pela afirmação.”

Para o ex-banqueiro, a 12 de Julho, havia investidores disponíveis para entrar no BES, mas "com o arrastar da situação" a 29 de Julho "já não havia”.

“Não contem comigo para atacar membros da família”
Na primeira parte da audição, Ricardo Salgado deixou claro que não se responsabiliza pela queda do grupo. "Não posso aceitar que, tendo dedicado a minha vida ao banco, e exclusivamente ao BES, seja responsabilizado por tudo o que se passava no grupo, [que, na área não financeira, tinha outros responsáveis]", alegou Ricardo Salgado. E garantiu que dedicou 70% do seu tempo, incluindo fins-de-semana, ao banco.

"Já disse que ia dedicar o resto da minha vida a defender a honra da minha família [e] não contem comigo para atacar membros da família", acrescentou o banqueiro, assegurando ainda que não houve desvios de dinheiro do banco para membros da família.

Nas respostas aos deputados, Salgado apontou ainda baterias a Álvaro Sobrinho, antigo administrador do Banco Espírito Santo Angola. “Houve um erro de julgamento na indicação da pessoa [Álvaro Sobrinho] que foi indicada para liderar o BESA”, reconhece Salgado.

A abrir a primeira ronda de perguntas, o deputado do PSD Carlos Abreu Amorim perguntou: "Está a dizer-nos que sabia de tudo pelos jornais?"

Ricardo Salgado respondeu: "Recorro à sua sapiência jurídica. É crime em Angola violar o segredo bancário. Os nossos sócios angolanos sugeriram a substituição do doutor Álvaro Sobrinho. Pois bem, a partir da altura em que Álvaro Sobrinho sai, nos órgãos de imprensa da propriedade dele, que adquiriu o Sol e o i, começa o bombardeamento na imprensa do doutor Álvaro Sobrinho a meu respeito, e não só."

Às equipas do BES que depois chegaram a Angola “foram-lhes levantadas as maiores resistências e ameaças”. "[Foi isso que] nos levou a pedir apoio [ao Presidente de Angola]", disse Salgado, justificando que a garantia foi dada, porque as autoridades angolanas consideraram o BESA “um banco essencial para o desenvolvimento de Angola”. 

Mas o BdP sabia da situação? “Procurávamos informar o Banco de Portugal, sempre na medida do possível”, diz Salgado, referindo que o supervisor português “levantou sempre as maiores dúvidas sobre a garantia”, ao ponto de não a aceitar para efeitos de rácios de capital. “[Foi] extremamente lamentável que isso tenha acontecido”, comentou Salgado.

"Recordo que há três bancos com capital de Angola, BCP, BPI e BIC, e colocar a garantia de Angola no banco mau, como activo tóxico, é uma enorme ofensa diplomática."

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