Sé regressa ao século XII e traz teatro e música aos portuenses

Na última semana, os serões na Sé Catedral do Porto foram, para profissionais e amadores, local de ensaio de teatro e de música. Esta segunda-feira à noite, o emblemático espaço da cidade regressa ao século XII para contar aos portuenses a restauração da diocese, uma história que muito diz sobre a nossa nacionalidade.

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O espectáculo retrata um período medieval anterior à formação do Reino de Portugal e fala do conflito eclesiástico do Noroeste Hispânico e do germinar da nacionalidade Adriano Miranda

Ainda que o frio tenha chegado com o mês de Dezembro, este não é impedimento para ensaiar entre as paredes graníticas da Sé. Por volta das nove da noite, as primeiras bancadas da Catedral são preenchidas com as dezenas de pessoas dispostas a regressar nove séculos atrás. Membros do povo, do clero e da nobreza começam a colocar os adereços e a espreitar as falas que têm de ensaiar quando tudo estiver a postos. São actores do espectáculo Santa Maria do Porto, o tempo e a Memória que assinala os 900 anos da restauração da Diocese do Porto e a instituição do cabido portucalense.

Um dos primeiros a chegar é Fernando Soares, o actor que dá vida ao francês D. Hugo, bispo do Porto, que chegou à cidade por influência do arcebispo de Santiago de Compostela, D. Diogo de Gelmires. Fernando regressa a Portuscale a convite do encenador, o actor Júlio Cardoso, e confessa que é com muito agrado que aceitou integrar a equipa, não só pela possibilidade de trabalhar na Sé como também pelo facto “de reconstituir um facto histórico-religioso muito importante”.

Mas afinal, quem foi D. Hugo e de que trata este espetáculo? De acordo com Fernando Soares, D. Hugo foi um “bispo que muito fez pelo Porto, não sendo do Porto”. O espectáculo retrata um período medieval anterior à formação do Reino de Portugal e fala do conflito eclesiástico do Noroeste Hispânico e do germinar da nacionalidade com a entrega do foral aos portuenses por D. Hugo.

Sem que alguém tire os casacos e os cachecóis, o ensaio começa. Sob o olhar atento do encenador, os figurantes, a grande parte voluntários, vão ouvindo as indicações de Júlio Cardoso. O actor, com mais de 50 anos de carreira, foi convidado pelo cabido do Porto para encenar esta peça e confessa que também teve de “mergulhar na época”. E fê-lo com a ajuda de Luís Amaral, responsável pelo texto.

Uma vez que o espectáculo articula teatro e música, foi necessário um trabalho de equipa constante. “Foi um entendimento perfeito entre a minha pessoa e o Dr. Ferreira dos Santos. Falamos várias vezes sobre as suas intervenções e ele, além da sua genialidade musical, também teve de entrar na intervenção teatral”, conta o encenador. Ao todo, o espectáculo conta com 28 intervenções musicais, dirigidas pelo compositor, que vão assinalar os momentos-chave da peça com diferentes tipos de música, do litúrgico ao profano.

Entre os 60 figurantes está Cidália Santos, a rainha D. Tereza, que outorga o couto a D. Hugo. Ainda que diga apenas uma frase, Cidália, que adora teatro, confessa que é uma honra encarnar esta personagem. “Não é pelo papel, mas é por toda esta envolvência”, afirma. Ao lado de Cidália, e atento ao ambiente no interior da Catedral, está Martim Novais. O pajem da rainha é o rosto mais novo entre os voluntários, com apenas 12 anos. É sua estreia no mundo do teatro e afirma que a história é fundamental. “A história fala do nosso passado, das nossas raízes, do que aconteceu com os nossos antepassados. As batalhas, as derrotas, as mortes, o que sofremos, reconquistámos e conquistámos”, diz Martim.

A Igreja como um espaço de cultura
Arnaldo Pinho, presidente do cabido portucalense, espera que este espectáculo possa dar a conhecer ao Porto uma parte fundamental da sua história. Ainda assim, o cónego define a peça como “uma espécie de primeiro ensaio” e espera que se realizem mais intervenções culturais aproveitando os espaços da sé e do terreiro. “Eu não quero dizer que as catedrais deveriam ser só lugares de cultura, mas também devem ser lugares de cultura”, sublinha.

Nas palavras de Júlio Cardoso, o espectáculo, de entrada livre, reserva a todos aqueles que quiserem assistir uma história sobre “a organização do burgo e da alma portucalense”. “Este é um espectáculo de partilha e de muito humanismo. Começa-se aqui a dar os primeiros passos e a pensar seriamente no humanismo cristão” assegura o encenador.

Da mesma opinião é também Fernando Soares. “Como diz o D. Hugo, os habitantes do Porto têm uma identidade muito firme e muito especial. Se o público do Porto cá estiver, vem confirmar exactamente isso: que são especiais, que são filhos da "mui nobre" e "invicta" cidade do Porto”, conclui.

Após um congresso em Outubro para assinalar a data, a Diocese do Porto, o cabido portucalense e o Seminário Maior do Porto apresentam esta segunda-feira, às 21h30, um espectáculo de entrada livre a todos aqueles que quiserem saber um pouco mais sobre o passado da cidade.

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