Parabéns, senhor Presidente!

Lutou contra o fascismo, celebrou a derrota do nazismo, viu o apogeu e queda do comunismo. Regozijou com a afirmação da social-democracia e critica o capitalismo de casino.

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Para Mário Soares, é preciso que a Europa volte “à solidariedade e à unidade entre todos” Daniel Rocha

Mais de 250 pessoas almoçam hoje, no Espaço Tejo da FIL, em Lisboa, com Mário Soares na comemoração do seu 90º aniversário. O que foi pensado como uma festividade de low profile, com família e amigos mais chegados, ganhou inevitavelmente a dimensão de um acontecimento político.

Lá estarão António Costa e Pinto Balsemão, Freitas do Amaral e Manuel Carvalho da Silva, Júlio Pomar e Proença de Carvalho, Mário Ruivo e Edmundo Pedro. É um painel de sensibilidades conquistadas num longo percurso político. Feito de luta, amizades, cumplicidades, polémicas e contradições. Como a própria vida.

Não estavam programadas declarações. Mas as opiniões de Soares, para o bem e para o mal, não se deixarão de ouvir. O PÚBLICO falou com 28 personalidades distintas e, nestas páginas, publica 15 desses depoimentos. Assim se esboçam, com afecto, críticas, zangas, reconhecimento e humor, os contornos de quem, no século passado, foi definido como um “animal político”.  Cuja acção marcou a democracia portuguesa. E cujo actual desassombro crítico revela que a política continua a ser o seu habitat.

Homem de cultura política, Mário Soares tem, contudo, um percurso ímpar. Não partiu do aparelho partidário para o poder. Foi o pensamento de intelectual, ainda hoje patente com uma curiosidade quase juvenil, que o levou ao partido. E este foi, apenas, um mero instrumento das suas ideias.

Poucas ideias, o essencial, três ou quatro. Não um turbilhão. O que implica selecção. Soares não é um especialista de temas, devorador de dossiês, mas teve a capacidade de definir um rumo, de perceber o sentido das coisas. Lançou o slogan “A Europa connosco” e assinou o tratado de adesão à então Comunidade Económica Europeia. Sempre antecipou a tendência dominante do seu tempo. O que o torna um vanguardista.

Num percurso que parece um compêndio de História, lutou contra o fascismo, celebrou a derrota do nazismo, viu o apogeu e queda do comunismo, regozijou com a afirmação da social-democracia. E vive agora os tempos do que critica como capitalismo de casino. Em todas estas etapas, com a mesma intensidade, protagonismo, ardor e entrega. Até ao limite, desconhecido, das suas forças. E com a convicção de sempre.

Nos tempos da juventude, o seu grupo de amigos (Mário Ruivo, Barradas de Carvalho, Francisco Ramos da Costa, Jorge Reis, Manuel Titto de Morais e Fernando Piteira Santos) tinha um lema: “que ninguém se resigne”. Por isso, que ninguém estranhe, neste domingo, novas provas de rebeldia. Tal como nos depoimentos e vídeos que hoje publicamos, se revela o inconformismo. Como a quebra, pensada e emocional, do protocolo na cimeira de Lusaca, com o abraço a Samora Machel.

Também a coragem física e política, como marca de água de uma vida de nove décadas. E a construção de laços de amizade que se sobrepõem às razões políticas. Que desaguam na generosidade que lhe é reconhecida. Numa bonomia inteligente e numa força única.

Parabéns, senhor Presidente!

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