Entrevistas de Sócrates nas mãos do juiz Carlos Alexandre

Magistrado ainda não decidiu se autoriza uma entrevista do ex-primeiro-ministro ao jornal Expresso.

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Sócrates (aqui na primeira entrevista após o regresso a Portugal) aguarda autorização do juiz para conceder entrevista ao semanário Expresso enric vives-rubio

As entrevistas que o ex-primeiro-ministro José Sócrates conceder na prisão terão que ser autorizadas pelo juiz de instrução Carlos Alexandre, que determinou a prisão preventiva do antigo governante por considerar haver perigo de fuga e de perturbação do inquérito. A exigência decorre de uma norma do Código de Execução de Penas.

O semanário Expresso já fez saber publicamente que pediu uma entrevista a José Sócrates e que a realização da mesma dependia apenas da autorização dos serviços prisionais. Mas o director-geral da Reinserção e dos Serviços Prisionais, Rui Sá Gomes, explicou ao PÚBLICO que a entrevista terá que ser autorizada pelo juiz de instrução. “O pedido já foi remetido para o tribunal, mas ainda não há resposta”, adiantou ao PÚBLICO Sá Gomes.

O Código de Execução de Penas determina que tratando-se de reclusos que estão em prisão preventiva “a autorização da entrevista depende ainda da não oposição do tribunal à ordem do qual o recluso cumpre prisão preventiva, com base na ponderação do prejuízo da entrevista para as finalidades da prisão preventiva”.

Esta exigência surgiu com o novo código, publicado em 2009, e que integra uma posição do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR). Essa deliberação surgiu na sequência de um pedido feito pelo apresentador Carlos Cruz, em Abril de 2003, informando a então directora do estabelecimento prisional onde se encontrava que era sua intenção “responder a uma entrevista solicitada e respondida por escrito, para ser publicada no semanário Expresso”.

No dia seguinte, o então director-geral dos serviços prisionais informou Carlos Cruz que estava “proibido de dar entrevistas ou prestar declarações destinada a fins jornalísticos”. Justificava tal proibição, recorda o advogado Francisco Teixeira da Mota num artigo publicado hoje, com uma “prática genericamente assumida nos Serviços Prisionais, conhecida dos jornalistas, o ser proibida a concessão de entrevistas por razões ligadas à especial condição em que se encontram, da uniformidade de tratamento dos reclusos nessa situação, e de defesa da manutenção do segredo de justiça”.

Carlos Cruz não se conformou e recorreu para Celeste Cardona, então ministra da Justiça que pediu o tal parecer ao Conselho Consultivo da PGR. Celeste Cardona acabou por manter a decisão que foi anulada há menos de dois meses pelo Supremo Tribunal Administrativo, por considerar que a mesma não se encontrava devidamente fundamentada.

No parecer de Junho de 2003, os procuradores defendiam que os direitos, liberdades e garantias dos reclusos podiam ser objecto de restrições, mas que a limitação da liberdade de expressão tinha que ser necessária para salvaguardar outros interesses constitucionalmente protegidos, além de ter de respeitar o princípio da proporcionalidade. Relativamente às entrevistas escritas, o parecer remetia para o regime legal do direito à correspondência então em vigor. A legislação mudou e quanto a este aspecto o actual Código de Execução de Penas estipula que o “recluso tem direito a receber e a enviar, a expensas suas, correspondência e encomendas”, determinando que “não é objecto de qualquer controlo” as cartas trocadas com advogados, notários, conservadores e solicitadores. 

Excepcionalmente a lei admite que a correspondência do recluso seja verificada “por razões de ordem e segurança do estabelecimento prisional e para detecção de objectos proibidos”, excluindo, contudo, as cartas trocadas com o advogado de qualquer controlo. Para que a correspondência de um recluso seja inspeccionada a lei exige que essa leitura seja ordenada “por despacho fundamentado do director do estabelecimento prisional” apenas em quatro situações: quando a correspondência possa pôr em perigo as finalidades da execução da pena ou medida de coacção; quando exista fundada suspeita da prática de crime; por justificadas razões de protecção da vítima do crime ou de ordem e segurança. 

Face a este enquadramento jurídico, Rui Sá Gomes é peremptório a afirmar que se nenhuma destas situações ocorrer, qualquer recluso (incluindo José Sócrates) poderá continuar a enviar declarações escritas para a comunicação social, como a carta manuscrita que ontem foi publicada pelo Diário de Notícias.       

Nessa missiva, Sócrates criticou duramente o sistema judicial, os políticos e os jornalistas. “Digamo-lo sem rodeios: o ‘sistema’ vive da cobardia dos políticos, da cumplicidade de alguns jornalistas; do cinismo das faculdades e dos professores de Direito e do desprezo que as pessoas decentes têm por tudo isto. De resto, basta-lhes dizer: ‘Deixem a justiça funcionar’. Sim, não se metam nisto”, escreve José Sócrates, acusando a Justiça de prender “para melhor investigar”, “para humilhar”, “para extorquir” informação.

O Supremo Tribunal de Justiça (STJ), por outro lado, decidiu esta quinta-feira não admitir sequer para análise o segundo pedido de habeas corpus (libertação imediata) do ex-primeiro-ministro.  No despacho, o juiz conselheiro Manuel Braz aponta aquilo que apelida de uma desconsideração para com o STJ. O pedido foi feito “numa folha que é uma fotocópia de parte de uma página do Jornal de Notícias do dia 27/11/2014”, aponta o magistrado, considerando que “esta não é uma maneira séria de apresentar uma petição de habeas corpus”. Por este motivo, o tribunal considera que o pedido enviado “não pode ser tomado como uma verdadeira petição de habeas corpus”. com Pedro Sales Dias

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