Novo banco, velha supervisão

O Novo Banco trata-se de uma empresa pública, gerida por gestores públicos, com todas as suas consequências.

Tivemos no passado recente três iniciativas de apoio aos bancos envolvendo significativos recursos públicos. Primeiro, as operações de recapitalização pública realizadas em 2012 no montante de cerca de seis mil milhões de euros, das quais, inexplicavelmente, o antigo BES foi o único banco excluído. Tivesse sido abrangido, mesmo que com diluição dos accionistas à época, e ter-se-ia provavelmente evitado a “resolução” de 2012, nos termos conhecidos.

Em segundo lugar, a aprovação, agendada para depois da saída da troika, da lei dos activos por impostos diferidos (Lei 61/2014), significando na prática um segundo instrumento de capitalização dos bancos, viabilizando a transferência a favor destes, através da atribuição de créditos fiscais, de um montante idêntico, de forma indirecta e menos transparente.

Entendamo-nos quanto a este regime, até pela sua origem europeia, ainda que não imposta, e pelas suas ambiguidades e contradições. Na preparação da União Bancária, a União Europeia aprovou em 2013 (cinco anos depois da crise...) extensa regulação bancária tendo em vista não apenas a estabilidade financeira, mas igualmente proteger os contribuintes de custear resgates bancários futuros. Todavia, nessa regulação deixou lá uma regra básica segundo a qual os activos por impostos diferidos (créditos fiscais) contam para o cálculo do capital dos bancos se a sua exigibilidade perante o Estado não estiver dependente de lucros futuros. Criou, portanto, o incentivo regulatório a que o Estado reconheça esses créditos (e pague) quando os bancos têm prejuízos, caindo pela base o proclamado princípio da protecção dos contribuintes.

Em terceiro lugar, a “resolução” do BES, que apesar de assim chamada se tratou de uma nacionalização, que agora há quem queira reverter, resolvendo (juridicamente) a resolução.

O Novo Banco (NB) é um banco de transição, público pela propriedade e pela gestão. Pela propriedade, por ser detido por uma entidade pública, o Fundo de Resolução (logo, pelo Estado), que gere dinheiros públicos independentemente da sua origem. Pela gestão, uma vez que a sua administração é nomeada pelo Governo e pelo Banco de Portugal (logo, pelo Estado). Trata-se, pois, de uma empresa pública, gerida por gestores públicos, com todas as suas consequências. Quanto aos recursos públicos envolvidos, o futuro dirá, em função do modelo de reprivatização que venha a ser seguido, qual a sua dimensão, não sendo o adoptado na privatização do BPN um bom precedente.

O caso específico do NB não podia ser mais revelador do sério problema que persiste na nossa supervisão financeira, que tardou a coordenar-se, impediu eficácia na decisão e na acção, permitiu ganhos especulativos, propiciou os danos da exposição internacional do caso, e impôs perdas a muitos pequenos investidores que, independentemente da sua qualidade, accionista ou outra, devem ser protegidos. Outro desafio à supervisão: o de garantir essa mesma protecção.

É certo e sabido que o modelo de supervisão adoptado não é só por si garantia de sucesso da missão dos supervisores. Mas se tivermos em conta, em especial, os casos passados da falência do BPP, da nacionalização do BPN e da necessidade, em ambos, de salvaguardar a segurança das poupanças e a estabilidade do sistema financeiro, facilmente se constata que existem medidas a tomar na organização e estrutura do sistema de supervisão, as quais são agora ainda mais evidentes por força da criação, entretanto, das autoridades europeias de supervisão, de um comité europeu de risco sistémico, e de um sistema europeu de supervisão financeira, que recentemente culminou, desde 4 de Novembro, na atribuição de responsabilidades de supervisão bancária ao BCE, tornando mais difícil compreender que, num contexto de transferência de responsabilidades de supervisão para as autoridades europeias, esvaziando as autoridades nacionais, estas aumentem, em vez de diminuir, os recursos afectos à sua actividade.

Foi por virtude dos problemas passados, mas também antecipando a evolução futura, que, no final de 2009, foi proposta uma fusão das autoridades supervisoras, concentrando competências e eliminando tanto sobreposições e redundâncias, como vazios e falhas de supervisão. Estava em causa na altura a substituição do actual e velho modelo tripartido, por um modelo dualista ("twin peaks"). Mas nem tem necessariamente de ser assim, nada impedindo a solução mais radical do supervisor único ("sole supervisor"), que eliminaria boa parte das justificações recorrentemente invocadas para as falhas ocorridas. Os interesses instalados não gostam da solução, no passado como agora. Todavia, o custo do statu quo – financeiro e de eficácia – é maior do que o custo de transformar, ainda que enfrentando resistências. Esta transformação, pela sua natureza, só poderá ser feita por um governo maioritário.

Ex-secretário de Estado do Tesouro e Finanças (2005-2011), docente da FDL

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