Pela autonomia é que vamos...

O problema tem a sua origem na máquina centralizadora do MEC que comanda à distância a colocação de professores e o dia-a-dia nas escolas.

O Ministério da Educação e Ciência (MEC) fez da autonomia das escolas e da assinatura de centenas de contratos de autonomia, uma das mais importantes bandeiras políticas do seu mandato.

Já tive oportunidade de escrever, neste espaço, que ao contrário do que foi apregoado, as escolas e agrupamentos de escolas (escolas) têm hoje menos autonomia que no passado recente. Em todas as áreas de atuação, exceto na gestão curricular - onde se deram pequenos mas positivos passos - as escolas perderam autonomia.

Nos últimos anos reforçou-se a centralização do sistema educativo, aumentou visivelmente a burocracia nas escolas, as quais perderam imenso tempo e recursos a alimentar de informação, tantas vezes redundante e contraproducente pelos desperdícios que causa, toda a cadeia administrativo/burocrática que as liga ao MEC.

Uma política credível de reforço da autonomia das escolas não deveria ter ignorado a experiência das vinte e duas escolas que assinaram contratos em 2007. O MEC, infelizmente, ignorou-a. Todas estas escolas foram acompanhadas de perto por comissões de acompanhamento, cujos pareceres e conclusões emitidos sobre os relatórios de progresso e os relatórios finais, elaborados pelas escolas, foram enviados aos serviços do MEC.

Que debate se fez no país sobre esta experiência de autonomia? Que reflexão se fez sobre estes relatórios e pareceres? Quais das conclusões foram tidas em conta pelo MEC na nova fase de “reforço” da autonomia das escolas que implementou? Afinal, que avaliação fez o MEC da execução dos contratos de autonomia em vigor desde 2007?

A resposta a todas estas questões é: zero.

Nos últimos dois anos, vários serviços do MEC percorreram o país “oferecendo” a autonomia às escolas. A autonomia era a panaceia para todos os problemas e estava a preço de saldo. Com gáudio, vários responsáveis – técnicos e políticos do MEC – apresentaram ao país o grande feito de se ter assinado contrato com mais de duzentas e cinquenta escolas.

E a partir daí? As escolas continuam mergulhadas em burocracia. As escolas e os alunos estiveram (e alguns ainda estão) longuíssimos dias sem professores.

A burocracia é o pão nosso de cada dia. A falta de professores acontece porque não se procurou remover o maior obstáculo que a Administração Educativa colocou - este é o termo correto – às cerca de vinte escolas da primeira fase da autonomia. Durante vários anos, estas escolas, às quais se juntaram outras tantas mais tarde, foram sistematicamente impedidas de, em tempo oportuno, contratar todo o pessoal docente de que necessitavam. Conforme foi bastas vezes denunciado, as escolas com contrato de autonomia eram as últimas a ter todo o pessoal docente ao serviço e, ao contrário do que aconteceu com as restantes, não houve um único ano em que vissem satisfeitas todas as suas necessidades docentes antes do início das aulas.

A sofreguidão de assinar contratos de autonomia com centenas de escolas sobrepôs-se a tudo o resto, inclusive à responsabilidade de assegurar a colocação de professores em todas elas, em momento adequado.

Tivesse sido feita uma avaliação à execução dos contratos de autonomia das escolas pioneiras e o MEC nunca teria decuplicado o número de contratos sem resolver previamente o problema da colocação de docentes.

Há, portanto, responsáveis pela falta de centenas de professores em setembro, outubro e novembro. Os responsáveis pela opção política, bem entendido, de oferecer contratos de autonomia a centenas de escolas são hoje responsáveis pelo iniludível facto de a falta de professores não afetar, apenas, as cerca de quarenta que costumava afetar, mas mais de três centenas de escolas em todo o país.

Em bom rigor, a campanha de angariação de escolas para se decuplicar o número de contratos de autonomia serviu para prejudicar a própria autonomia.

Não se pense que o problema da falta de professores e dos erros nos concursos radica na autonomia das escolas, nas escolas ou na bolsa de contratação.

Não! O problema tem a sua origem na máquina centralizadora do MEC que comanda à distância a colocação de professores e, em boa verdade, o dia-a-dia nas escolas. Uma máquina ciosa dos seus poderes e responsabilidades, capaz de transformar as melhores intenções políticas de descentralização educativa em simulacros de autonomia.

E assim vamos, vendendo perfumes de lama, anéis de ouro a um tostão.

Director da Escola Secundária Eça de Queirós, Póvoa de Varzim

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