Cimeira do clima no Peru começa com relativo optimismo

Duas centenas de países reúnem-se para discutir um novo acordo para conter as alterações climáticas.

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Kim Kyung Hoon / Reuters

Em nove anos, nunca houve uma atmosfera de optimismo na diplomacia climática como a que envolve a conferência das Nações Unidas que começou esta segunda-feira em Lima, Peru.

Desde 2005 que se arrastam as negociações de um novo tratado internacional para as alterações climáticas. Mas os cerca de 190 países representados na capital peruana começam esta penúltima ronda negocial com dois empurrões para se chegar a um acordo: os EUA e a China surgem de mãos dadas e há promessas concretas de algum dinheiro para os países pobres enfrentarem o desafio de um mundo mais quente.

A conferência de Lima não será a das grandes decisões – que deverão ser tomadas noutra reunião em Paris, dentro de um ano. Se tiver sucesso, ao final de duas semanas deixará traçados os elementos de um novo acordo global e um calendário de negociações.

Não é a primeira vez que isto acontece, porém agora as circunstâncias são diferentes. Em 2007, a ONU traçou um plano semelhante e definiu 2009 como data limite para se chegar a um novo tratado. Chefes de Estado e de governo reuniram-se nesse ano em Copenhaga, numa cimeira que galvanizou a atenção mundial, mas que acabou por falhar a meta.

O que mudou está em parte no que se pretende agora. “As expectativas já não são as de Copenhaga”, explica Pedro Barata, especialista que integrou a delegação de negociadores portugueses em várias conferências climáticas da ONU e que hoje está à frente da empresa de consultoria Get2C.

Há cinco anos, pretendia-se chegar a um acordo que impusesse aos países metas vinculativas de redução de emissões de gases com efeito. Não resultou. Os países desenvolvidos não queriam ser os únicos a arcar com este esforço, enquanto os mais pobres ancoravam-se na tese de que o mundo industrializado é o principal responsável pelo problema. Além disso, situações particulares – em especial nos Estados Unidos, com um Congresso hostil a um tratado internacional vinculativo – tornavam praticamente impossível, então como agora, um acordo naqueles moldes.

“O optimismo é justificado porque as expectativas hoje são menos irrealistas do que as de antes de Copenhaga”, diz Pedro Barata. “Ninguém vai exigir que os Estados Unidos aumentem o que já estão a propor”, exemplifica. Há pouco menos de três semanas, o Presidente Barack Obama prometeu que os EUA tentarão reduzir as emissões em 26% a 28% até 2025, em relação aos níveis de 2005, fazendo “todos os esforços” para atingir a meta mais elevada.

Obama anunciou-o de uma forma que marcou um ponto de viragem na diplomacia climática: lado a lado com o Presidente chinês, Xi Jinping, que pela primeira vez admitiu que a China adoptaria um limite máximo de emissões de CO2, “em torno de 2030”, e que a partir deste ponto começariam a descer.

China e EUA selaram o compromisso num acordo subscrito em Pequim, num inegável sinal de que está a cair o muro que separava os países ditos desenvolvidos e em desenvolvimento nas negociações climáticas.

Mesmo que não sejam compromissos muito ambiciosos, foram bem recebidos, somando-se à decisão da União Europeia em cortar 40% das emissões até 2030. “O que já está em cima da mesa é um bom começo de conversa”, avalia Pedro Barata.

Há mais na calha. Até ao fim do primeiro trimestre do próximo ano, todos os países deverão apresentar às Nações Unidas as “contribuições nacionais” para o combate às alterações climáticas – tal como foi decidido na conferência anterior, no ano passado, em Varsóvia, Polónia.

Por ora, não há formato nem roteiro pré-definido. Simplesmente, cada país dirá o que pretende fazer – seja reduzir emissões, limitar o aumento, investir nas renováveis, preparar-se para um clima diferente ou adoptar outras medidas ou políticas. Este caldo de acções voluntárias deverá ser um dos pontos de partida para se definir até onde poderá ir o novo chapéu internacional que se espera concluir em Paris em 2015, para entrar em vigor em 2020.

Uma das principais tarefas da conferência de Lima será a de estabelecer balizas para a submissão das “contribuições nacionais” e formas de avaliação destas promessas. “Os negociadores devem assegurar que haverá informação suficiente para que o público e os outros países possam compreender e comparar esses planos”, defendem Jennifer Morgan e David Waskow, do World Resources Institute, um think tank ambiental norte-americano, num artigo publicado na semana passada.

O eterno dilema do financiamento aos países mais pobres também estará sobre a mesa. Aqui também há sinais positivos. Já estão prometidos 9300 milhões de dólares (7500 milhões de euros) para o Fundo Verde Climático, criado para ajudar as nações menos desenvolvidas a enfrentarem o desafio das alterações climáticas. A meta é atingir dez mil milhões de dólares para serem utilizados entre 2015 e 2018.

É um bom começo, mas é pouco. O objectivo maior é que se chegue a 100 mil milhões de dólares anuais (80 mil milhões de euros) em 2020. “A progressão para se chegar a esta meta tem sido muito lenta”, alerta a organização humanitária internacional Oxfam, numa avaliação das necessidades financeiras para o desafio do clima, publicada na última sexta-feira. E mesmo aquele valor poderá não ser suficiente. Segundo a Oxfam, só para conter o aumento da temperatura média global a 2ºC até ao final do século, serão necessários possivelmente 500 mil milhões de euros por ano para os países menos favorecidos.

O que ninguém crê é que o novo tratado agora a ser negociado consiga, por si só, garantir a meta dos 2ºC, acordada internacionalmente. Segundo o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, é preciso reduzir as emissões mundiais de CO2 em 40% a 70% até 2050 e a zero em 2100. O mundo está longe disso e, sem novas políticas, as emissões da queima de combustíveis fósseis poderão aumentar em cerca 20% até 2040, segundo a Agência Internacional de Energia.

Para Francisco Ferreira, da organização ambientalista Quercus, o que foi anunciado pela China e pelos Estados Unidos, “apesar de ser muito significativo, não é suficiente e surge tarde demais”. Mas ainda assim, há lugar para optimismo. “Estaríamos pior sem esta perspectiva de compromisso”, afirma.

Lima será a antessala de um futuro tratado muito mais baseado no que os países podem fazer, do que naquilo que devem fazer. “Vai ser muito difícil chegar a um acordo do tipo do de Quioto”, diz Francisco Ferreira, referindo-se ao protocolo internacional de 1997, que fixou metas obrigatórias de redução de emissões para os países desenvolvidos até 2012.

Na abertura da conferência, o ministro do Ambiente do Peru, Manuel Pulgar, deixou o alerta: “A possibilidade de se agir por reduzir as emissões de gases com efeito de estufa vai desaparecer rapidamente. Não deixemos passar esta oportunidade”. 

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