CP continua isenta da responsabilidade de indemnizar clientes por atrasos

Companhia está isenta de assegurar os reembolsos e indemnizações aos seus clientes de acordo com a legislação europeia e o Estado vai pedir a Bruxelas para manter o regime de isenção por mais cinco anos.

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Daniel Rocha

O Estado português vai pedir à Comissão Europeia que mantenha por mais cinco anos a isenção de um conjunto de normas do Regulamento 1371 relativo aos direitos dos passageiros dos serviços ferroviários.

Trata-se de legislação comunitária com efeitos directos na nacional, que não carece de transposição e que deveria ter entrado em vigor, na sua totalidade, até Junho de 2010. No entanto, o regulamento prevê que alguns dos seus artigos possam ficar suspensos a pedido dos Estados-membros, por duas vezes, por um período de cinco anos.

Portugal já tinha pedido a isenção de algumas cláusulas (algumas das quais protegem a CP de reembolsar os passageiros por motivo de atraso) e foi agora instado por Bruxelas a aplicá-las ou, em alternativa, a pedir novo período de isenção.

Esta excepção a algumas das normas (que na Europa só encontra igual na Eslováquia, Grécia, Estónia e Croácia) permite à CP continuar a não se responsabilizar pelas correspondências quando a viagem implica apanhar mais do que um comboio. Se houver um atraso e o passageiro perder a ligação, a empresa não é obrigada a cumprir o que diz o Artigo 32.º (Capítulo II) deste regulamento: “O transportador é responsável perante o passageiro pelo prejuízo decorrente do facto de, por motivos de supressão, atraso ou perda de correspondência, a viagem não prosseguir no mesmo dia, ou de a sua prossecução não ser razoavelmente exigível no mesmo dia devido às circunstâncias dadas.”

A CP faz questão de deixar isto bem claro quando vende um bilhete que implica um transbordo: o funcionário da bilheteira põe-lhe um carimbo a vermelho onde se lê: “As ligações entre comboios só são asseguradas em condições normais de Circulação.” O passageiro fica, assim, por sua conta e risco se viaja na CP usando mais do que um comboio.

A questão poderia ser de somenos importância se a CP assegurasse ligações directas em praticamente toda a rede. Mas passa-se exactamente o contrário — viajar de comboio em Portugal implica hoje mais transbordos do que há 30 anos. E isto agravado por um tarifário complicado que penaliza quem viaja nos piores comboios, em viagens mais longas e com mais transbordos.

Um exemplo: de Santarém para o Porto viaja-se num Intercidades directo, sem transbordos; das Caldas da Rainha, que fica à mesma distância, viaja-se numa velha automotora até Coimbra onde se apanha uma ligação rápida para o Porto. No primeiro caso a viagem demora duas horas e meia, no segundo demora três horas e meia. No entanto, a primeira custa 20,20 euros e a segunda 27,95 euros!

Porque penaliza a CP quem viaja mais devagar e com transbordos? Porque o preço do bilhete é construído pelo somatório dos vários segmentos do percurso. A CP não vende uma viagem. Vende várias viagens numa só. Factura cada uma delas ao cliente e avisa-o que não se responsabiliza pela correspondência.

Mudanças prometidas no tarifário
De Barcelos a Mangualde é preciso apanhar entre três a quatro comboios. O que faz com que haja cinco preços diferentes, entre os 18,10 euros e os 35,45 euros, consoante as ligações que o passageiro tiver de apanhar.

Mais a sul, sabe-se da profunda ligação, a nível social, que existe entre o Barreiro e o Alentejo. Durante 150 anos houve comboios directos entre aquela cidade e Beja. Hoje a viagem sobre carris só é possível em três etapas: do Barreiro ao Pinhal Novo, depois para Casa Branca e daí para Beja.

E o mesmo acontece entre Setúbal e o Algarve. Os sadinos deixaram de ter comboios para Sul e agora precisam de apanhar três comboios para chegar a Lagos. Pagam 25,60 euros. Se forem para Faro a viagem é 42 minutos mais rápida e têm menos um transbordo. E só pagam 20,75 euros.

Nos anos 80 um passageiro a banhos em São Martinho do Porto apanhava o comboio na estação em frente à praia e só dele saía na estação do Rossio.  A viagem era directa. Hoje, tem uma viagem de três horas e pode experimentar quatro comboios: um até às Caldas da Rainha, outro até Meleças, daí até ao Cacém e depois até ao Rossio.

Mesmo a linha do Norte — verdadeira coluna vertebral do sistema ferroviário português — foi segmentada pela CP em distintos percursos. Viajar de Estarreja para a Azambuja implica apanhar três ou quatro comboios, com mudanças em Aveiro, Coimbra ou Entroncamento. Cada segmento tem um preço.

A divisão da empresa em unidades de negócios criou fronteiras artificiais na rede. Nine, na linha do Minho, obriga a transbordos, bem como Caíde, no Douro, e Aveiro na linha do Norte. No Algarve há ligações que são interrompidas em Faro, aumentando a distância entre Sotavento e Barlavento. E na linha do Oeste são frequentes os transbordos nas Caldas da Rainha.

Contactada pelo PÚBLICO, fonte oficial da empresa diz que estão a ser preparadas alterações no tarifário que vêm obviar algumas destas situações. A CP não quis comentar o aviso da Comissão Europeia ao Estado português.

Também o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, que tem a incumbência da aplicação do referido regulamento a nível nacional, não respondeu às perguntas do PÚBLICO.

Estas isenções que beneficiam a CP datam do período em que Crisóstomo Teixeira presidiu à empresa (1997-2003) tendo este conseguido contrariar o então Instituto Nacional do Transporte Ferroviário (INTF) que procurou regulamentar, de acordo com indicações de Bruxelas, a responsabilidade do operador ferroviário nas correspondências entre comboios.

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