Traço grosso

Nem a marca inconfundível de Edgar Pêra consegue salvar Virados do Avesso de ser TV a fingir-se cinema.

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Não há, por si só, nada de intrinsecamente errado em querer fazer uma comédia popular em Portugal. O que irrita sobremaneira no que se quer fazer passar hoje em dia por comédia (não só em Portugal, mas sobretudo em Portugal) é que a ambição de quem a faz se restrinja a repetir e a perpetuar fórmulas e lugares-comuns da televisão, que já de si eram fórmulas recicladas a partir das comédias televisivas americanas ou do teatro de revista.

Virados do Avesso

é, mais uma vez, isso: actores “da televisão” a interpretarem “à televisão” um guião “de televisão” (uma comédia de enganos sobre um escritor que se “esquece” que é

gay

), uma acumulação de cenas curtas com

punch line

rebuscada no fim e bonecos caricaturados a um exagero que chega quase a ser ofensivo.

O que faz, então, a diferença deste Virados do Avesso por relação a inanidades como 7 Pecados Rurais ou Mau Mau Maria? Apenas uma coisa: a presença surpreendente aos comandos do filme de Edgar Pêra, autor de A Janela (Maryalva Mix) ou O Barão, mas também grande apreciador do cinema clássico e estudioso da série B. E a sua presença é imediatamente reconhecível, no modo como Virados do Avesso é filmado em constante desequilíbrio, a câmara à mão e os seus tradicionais efeitos psicadélicos a exacerbar ao limite o “traço grosso” de um guião descosido e pontualmente de mau gosto, esticando ao máximo o elástico nonsense da screwball comedy sem orçamento a ver se parte. Mas mesmo essa reconhecível identificação de um autor com um projecto pessoal pelo meio das exigências comerciais da “encomenda”, ou a presença de actores como Nuno Melo e Rui Melo (ambos no tom exacto que Pêra procura), não salva Virados do Avesso. Só o torna marginalmente “menos mau”, ao mesmo tempo que sublinha o equívoco de se achar que a televisão em grande écrã é a resposta à crise do cinema português. Não é.

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