A era do escândalo político em Portugal

Estará a Justiça a atacar com todas as suas forças a representação de interesses parciais e a corrupção que se instalou na administração pública?

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Lionel Bonaventure

Freeport, Face Oculta, BPN, BES, Monte Branco, Tecnoforma, Operação Labirinto e, agora, a detenção de José Sócrates. Se dúvidas houvesse, os acontecimentos recentes confirmam que vivemos na era do escândalo político em Portugal. Mas, o que é isto do escândalo político? O que significa a palavra escândalo? Como se desenvolve na esfera pública?

Etimologicamente, "skándalon" significa uma “ocasião de tropeço”, “coisa que faz cair no mal”, um momento de “queda no erro para os fracos”. A expressão foi utilizada no "Antigo Testamento" em sentido figurado para referir-se à fragilidade dos indivíduos. Já do ponto de vista sociológico, o escândalo é interpretado como um “assassinato espiritual”, como uma provocação aos valores que a sociedade partilha. É por isso que não há escândalo sem a transgressão de certos valores, estereótipos morais, símbolos ou modelos sociais e, por outro lado, sem a propagação da transgressão, sem a existência de um público que se sente ofendido pelo comportamento escandaloso e que, por isso mesmo o propaga na esfera pública.

Na verdade, os escândalos, tal como os conhecemos hoje enquanto escândalos mediáticos, isto é, enquanto acontecimentos que são seleccionados, enquadrados e divulgados pelos media, devem-se a um conjunto de transformações políticas e sociais que ocorreram em finais do século XVIII, transformações que, por um lado, contribuíram para converter o jornalismo num campo de acção relativamente autónomo, com os seus códigos e com uma ética deontológica e profissional, e que, por outro lado, incorporaram os princípios da visibilidade e da transparência na gestão dos assuntos da coisa pública.

Porém, os últimos acontecimentos demonstram que a democracia, que deveria definir-se como o governo do poder visível, do poder que age em público e que se submete ao controlo da opinião pública, continua repleta de espaços sombrios, de zonas ocultas, de “poder invisível”. A representação política deu lugar ao seu avesso, à representação de interesses parciais ou individuais, e, quando a política como profissão se encontra ao serviço de interesses contrários ao bem comum, normalmente o escândalo político emerge como característica premente da vida pública.

Factualidade e entretenimento

Mas os escândalos político-mediáticos também se podem definir como narrativas complexas que se vão desdobrando em episódios principais e secundários à medida que se conhecem as transgressões, que as personagens são identificadas e que os acontecimentos são contextualizados mediante estratégias que têm como objectivo permitir que o leitor compreenda o que está em causa, mas que também visam captar e reter a sua atenção, combinando factualidade e entretenimento.

No caso da recente detenção de José Sócrates, a serialidade do escândalo, o seu desdobramento em episódios sucessivos que serão alimentados pela imprensa, indicia que as revelações se irão suceder em catadupa. Todavia, é preciso esperar por todos os fragmentos para que possamos construir uma narrativa mais complexa. E os próximos dias podem ser decisivos para sabermos se estamos, ou não, perante o maior escândalo da política portuguesa.

Não obstante, o tempo dos media não é o tempo da Justiça. O caminho será, certamente, sinuoso, e não apenas para o ex-primeiro-ministro. O Partido Socialista e a estratégia de António Costa para Mobilizar Portugal poderá sofrer um duro golpe. Ainda assim, mais do que em qualquer outro momento da nossa história política, faz sentido questionar: estará a Justiça a atacar com todas as suas forças a representação de interesses parciais e a corrupção que se instalou na administração pública?

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