Cobrança de portagens pelo fisco gera vaga de impugnações na Justiça

Contribuintes questionam desproporcionalidade das coimas aplicadas face ao valor da portagem. Sistema de cobrança coerciva pelas Finanças dificulta contestação.

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Pagamentos em atraso passaram para a alçada do fisco em 2013 Paulo Pimenta

Ao mesmo tempo que a máquina fiscal trabalha a todo o gás para cobrar coimas de taxas de portagem de concessionárias de auto-estradas, os tribunais fiscais enchem-se de processos de impugnação judicial, praticamente o único meio de defesa dos contribuintes quando são confrontados com a cobrança coerciva por parte das Finanças nestas situações.

Se um contribuinte não pagar uma portagem a uma concessionária de auto-estrada (na Via Verde ou nos pórticos das Scut), o processo é remetido para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), que desde 2013 assumiu a competência directa de instaurar o processo de contra-ordenação, com a possibilidade de reter devoluções de impostos, de penhorar depósitos bancários, salários ou outros bens. E nos últimos anos tem-se assistido a uma ampliação do tipo de dívidas cobradas através de processos de execução fiscal.

O processo de cobrança coerciva de portagens pode dificultar o recurso à justiça por parte de cidadãos envolvidos nestes processos. É que, cada taxa de portagem não paga pelo contribuinte, mesmo que no mesmo dia ou com diferença de poucas horas, dá origem a um processo autónomo por parte da concessionária e, numa segunda fase, a um processo por parte da administração fiscal. Isto implica que cada portagem não paga terá associado um custo administrativo e uma coima – o que faz disparar os valores a pagar – e significa ainda que as impugnações têm de ser feitas individualmente.

Por exemplo, se um contribuinte individual ou empresa fizer 20 passagens sem pagar, vai ter 20 processos de cobrança coerciva; e se quiser pedir a impugnação vai ter de apresentar 20 contestações, sobre as quais vai pagar 20 taxas de justiça.

Nos tribunais fiscais haverá neste momento alguns milhares de processos. O advogado Rui Falcão, que admite ter entregado entre 500 a 600 processos em tribunal sobre esta matéria, disse ao PÚBLICO que apenas para cidadãos ou empresas com muitos processos pode compensar o recurso à justiça. Dos casos que representa, o número de processos por cliente supera uma centena e a contestação judicial assenta fundamentalmente no argumento da desproporcionalidade das coimas aplicadas, que são dez a 20 vezes superiores ao valor da taxa de portagem não paga (com um mínimo de 25 euros). “Há uma clara desproporcionalidade entre a aplicação da pena e o direito tutelado”, defende Rui Falcão.

Num caso relatado ao PÚBLICO, em que o contribuinte tinha por pagar uma portagem de 1,5 euros e só mais tarde foi confrontado com a situação (porque a carta da operadora da auto-estrada foi parar a uma antiga morada, que constava na Conservatória do Registo Automóvel), o processo de contra-ordenação culminava já num total de 104,25 euros por pagar às Finanças, entre coima e custas processuais.

Para o fiscalista Samuel Fernandes de Almeida, da sociedade Miranda Correia Amendoeira & Associados, “uma penalização desta ordem de grandeza é manifestamente desproporcional face ao prejuízo sofrido pela concessionária e no limite pode ser inconstitucional”. E pode ser “tanto mais grave quanto nas situações de múltiplas infracções o InIR não aplica uma única coima (para as infracções continuadas) o que pode gerar coimas absolutamente absurdas”.

A junção, num só processo, de todas as taxas não pagas num determinado período, o que implicaria custos administrativos e coimas muito mais reduzidos para os cidadãos, não acontece. O prazo dado aos contribuintes para apresentarem reclamações ou pedirem esclarecimentos são curtos e esses pedidos não tem efeitos suspensivos. Na prática, apenas o recurso aos tribunais suspende o agravamento das coimas e dos custos administrativos.

Ao Provedor de Justiça já chegaram desde o início do ano 179 queixas por processos de cobrança coerciva de portagens, sendo a questão da desproporcionalidade das coimas uma das matérias visadas.

Muitos dos processos surgem pela passagem na Via Verde. O InIR - Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias (actualmente IMT) refere no seu site que “a maior percentagem” das infracções se deve a utentes que passam nesta via reservada sem terem contrato ou porque este está inválido. Pode acontecer que um condutor com o contrato da Via Verde válido receba em casa uma notificação para pagar a portagem. Isso acontece quando há uma falha técnica ou quando a cobrança não é efectuada porque o débito da taxa não foi feito na conta bancária. Nestes casos, quando o automobilista está a passar a portagem, o sistema acende um sinal luminoso amarelo.

O PÚBLICO enviou ao Ministério das Finanças, a 25 de Setembro, um conjunto de questões – nomeadamente sobre o número de multas já cobradas este ano e sobre quantas ordens de penhora foram emitidas –, mas ainda não obteve resposta, apesar da insistência junto da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais.

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