Convenção condicionada por fora

Na semana em que a deputada Mariana Mortágua brilhou no Parlamento ao fazer PSD e PS recuarem nas subvenções dos deputados, o BE fecha-se no Pavilhão das Olaias para decidir o futuro que não depende só de si.

O futuro do Bloco de Esquerda, muito provavelmente, depende pouco da IX Convenção que hoje se inicia em Lisboa e joga-se sobretudo na dinâmica eleitoral que se criar entre este partido e a tentativa de uma "candidatura cidadã" subscrita por 241 personalidades que esta semana foi anunciada.

Uma iniciativa que tem como suporte legal a estrutura do novo partido, Livre, e que reúne o Manifesto e a Renovação Comunista. Não tanto porque esta nova formação surja como substituto do BE do ponto de vista político, mas porque eleitoralmente pode gerar uma dinâmica que, ao agregar votos, acabe por contribuir para a erosão eleitoral do BE.

Na semana em que a deputada Mariana Mortágua brilhou no Parlamento ao fazer PSD e PS recuarem nas subvenções dos deputados, o BE fecha-se no Pavilhão das Olaias, em Lisboa, para decidir se continuará a ser coordenado por uma solução paritária composta por Catarina Martins e João Semedo ou se volta a uma liderança de tipo tradicional com Pedro Filipe Soares. Esta diferença no que são as caras de topo da direcção para o exterior não é uma diferença menor – assim como são diversos o tom e a abordagem ideológica. Pedro Filipe Soares, que surge como herdeiro da linha UDP, chega a afirmar: “Esse horizonte socialista continua à nossa frente.” Já para Catarina Martins e João Semedo, “Socialismo é o novo regime feito de todas as emancipações”.

É verdade também que há pequenos matizes nas moções – como a defesa por Catarina Martins e João Semedo de que a rejeição do Tratado Orçamental seja submetida a referendo. Mas ambas as moções, na prática, defendem o mesmo: a desvinculação do Tratado Orçamental, a reestruturação da dívida pública, a nacionalização da banca, a rejeição da austeridade europeia, a reforma fiscal com tributação de empresas, a nacionalização dos bens comuns privatizados e defesa dos sectores públicos estratégicos como a água, a protecção dos serviços públicos de saúde, educação e Segurança Social, a revisão da legislação laboral com reposição de direitos, o aumento do emprego e dos salários, a criminalização do enriquecimento ilícito e o combate à corrupção, o respeito absoluto pela paridade (50/50) a, igualdade de género, a adopção por gays, a saída de Portugal da NATO.

Só que o BE que chega a esta convenção é um BE desgastado, fraccionado, fechado sobre si mesmo – a viver numa lógica de sobrevivência em reacção ao afastamento de alguns fundadores e à própria incapacidade de renovação geracional, exibindo também o abandono cada vez mais acentuado da cultura de abertura ao diálogo político. Reflexo desse desgaste é a saída dos militantes que pertenciam à Política XXI e que estão no Fórum Manifesto. Uma ruptura que deixou em minoria a linha política que junta herdeiros do PSR e da Política XXI e que no início de 2013 criaram a tendência Socialismo, protagonizada por Francisco Louçã, João Semedo e José Manuel Pureza. É o confronto entre estes e a Associação UDP que se joga na IX Convenção, na qual Pedro Filipe Soares surge com 262 delegados eleitos contra 256 de Catarina Martins e João Semedo – e em que poderão ser decisivos os 90 delegados eleitos pelas outras moções.

Ora, mais do que estas lutas internas no BE, o que determinará o futuro deste partido, repetimos, é a sua capacidade de atrair eleitores em 2015. Este jogo passa-se no exterior do Pavilhão das Olaias e tem como parceiro o novo Livre e a capacidade inegável que Rui Tavares teve de congregar em torno de si intelectuais e personalidades de esquerda que estão para além do próprio Livre, do Fórum Manifesto e da Renovação Comunista.

Assim, entre os promotores da “candidatura cidadã” do Livre estão nomes mais ou menos expectáveis como Ana Drago, Daniel Oliveira, Rogério Moreira, Cipriano Justo, Paulo Fidalgo, Carlos Brito, Henrique de Sousa, Fernando Sousa Marques, Carlos Luís Figueira, José Manuel Tengarrinha, Luísa Mesquita, Florival Lança, Ulisses Garrido, Isabel do Carmo, Pilar del Rio, Luís Moita, José Reis, Ricardo Paes Mamede, Eugénia Pires, Sandro Mendonça e Boaventura Sousa Santos.

Mas estão outros que não são tão previsíveis, como é o caso de Viriato Soromenho-Marques, Ricardo Sá Fernandes, São José Lapa, Luísa Costa Gomes, Mário Laginha, Júlio Machado Vaz, Alexandra Lucas Coelho, Jorge Wemans, Augusto M. Seabra, André Freire, Miguel Vale de Almeida e Pedro Bacelar de Vasconcelos. Já para não falar de alguns jovens ainda sem proeminência pública, mas que representam uma renovação geracional e intelectual.

A questão é saber até onde será atractiva para o eleitorado esta proposta liderada por uma nova geração, nascida depois do 25 de Abril, que não está enredada nas teias das rivalidades velhas de 40 ou 50 anos entre o PCP e a extrema-esquerda, e que parece não ter medo de partilhar o poder e de tentar condicionar uma governação do PS à esquerda.

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