Stillhet: o elogio do Silêncio

Do percurso de vinte dias em silêncio, resultaram uma exposição, com trabalhos de Jeppe Hein e um livro, escrito por Finn Janning, com o mesmo nome: Stillhet, a palavra norueguesa para silêncio

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I Don’t Expect Anything But I’m Open For Everything, Jeppe Hein

O silêncio, como os espaços vazios, é entendido com algum medo e estranheza. A sociedade contemporânea, na sua velocidade feroz, permite poucos momentos de silêncio, de vazio. No entanto, só com algum silêncio podemos ouvir sons com clareza. Talvez como com as imagens: só com espaços entre elas, com vazios, podemos ver cada uma.

No início deste ano, o artista Jeppe Hein (*1974, Copenhaga) e o escritor Finn Janning (*1976, Copenhaga) decidiram fazer um percurso de vinte dias, na Noruega, em total silêncio. Caminhar enquanto "performance" ou ferramenta para um propósito artístico não é novo. Desde os Situacionistas, entre os anos 50 e 70, a artistas contemporâneos que pedem a participação do público para percepções da cidade, como as áudio-visitas de Janet Cardiff, The Missing Voice, desde 1999, em Londres, há inúmeras explorações da ideia de caminhar enquanto processo artístico. Não sendo novo, provavelmente não se esgotará enquanto houver desejo de descoberta no ser humano. Esta caminhada trata de uma ideia muito actual à sociedade contemporânea: a dificuldade de lidar com o silêncio, com o vazio.

Do percurso de vinte dias em silêncio, resultaram uma exposição, com trabalhos de Jeppe Hein e um livro, escrito por Finn Janning e ilustrado com aguarelas azuis por Jeppe Hein, com o mesmo nome: Stillhet, a palavra norueguesa para silêncio. Um livro será sempre um elogio ao silêncio se entendermos a ausência de som como contemplação, como momento de encontro. Escreve Fanning, no livro, que, na experiência do silêncio, foi pensado - “In the experience of silence, I was thought.” – por oposição a ter pensado, a “Eu pensei”. Trata-se de um encontro consigo enquanto outro, uma descoberta por um alguém que desconhecia, possível por estar, finalmente, em silêncio.

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Luísa Santos é curadora de arte contemporânea e doutoranda na relação da Arte, Estudos Culturais e Gestão

Na Galeria Nicolai Wallner, no que foi um dia uma garagem para camiões, em Copenhaga, o silêncio faz-se sentir num espaço de 800m2. A sensação não é de falta de imagens nem de som mas sim de abertura para algo que estará algures entre uma coisa e outra ou, talvez, no final do percurso.

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Stillhet, Jeppe Hein

Logo à entrada, sou confrontada com um espelho com a palavra “Stillhet” inscrita em néon, quase como quando estamos prestes a entrar numa Igreja em que nos pedem “silêncio” juntamente com “não tirar fotografias” e “não interromper a missa”. Perante o meu reflexo no espelho, a palavra “stillhet” na cara, obedeci a uma ordem que, estranhamente, parecia ser ordenada por mim própria, e comecei o percurso em silêncio.

A clareza dos sons

Uma série de paredes brancas e chão cinzento adiante, entro numa sala com um objecto também em espelho, que parece um pedestal (Third Eye, 2014) mas que não serve de suporte para algo. Aproximo-me e a mesma sensação de lugar religioso ou de templo, repete-se. Dentro do espelho, de um modo que não consigo desvendar por mais voltas que dê ao pedestal, está uma vela que teima em manter a chama. A chama fica ao nível dos olhos, numa ilusão de um terceiro olho iluminado. Jeppe Hein parece pedir uma reflexão sobre quem somos, de como o mundo exterior afecta ou altera a ideia de quem somos.

Na sala seguinte, o vazio completo. Passados poucos momentos, o tecto começa a deixar sair uma espécie de névoa com um cheiro neutro, talvez comparável aos dias de nevoeiro que têm um cheiro característico. Diz Jeppe Hein que é o cheiro do silêncio (Smells like... Stillhet, 2014) e talvez seja. Talvez seja este, mais do que o cheiro, o lugar do silêncio – um lugar vazio em que temos todo o espaço para o preenchermos com a nossa imaginação e com as nossas histórias.

O final do percurso é uma sala dentro da última sala da Galeria, uma estrutura modular, do mesmo azul que habita as páginas do livro, quase redonda com uma abertura (Breathing Watercolours, 2014). Nesta sala, Jeppe Hein cria uma sensação de transcendência. Provocar uma experiência interna, psicológica, que está para além do entendimento da forma, através de paredes pintadas a uma cor, parece uma tarefa impossível. Esta estrutura assente no chão e a terminar antes do tecto, num encerramento do espaço num espaço circular, quase embrionário, é a metáfora perfeita para traduzir as relações inquietantes entre o ser humano e os espaços interno e externo que o rodeia.

O silêncio é entendido com algum medo e estranheza. Mas, só com algum silêncio podemos ouvir sons com clareza. Talvez, só com silêncio seja possível um encontro com sons que, de outro modo, não se deixariam fazer ouvir.

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