30 dias sem Facebook

O Facebook pode fazer mal por três motivos essenciais: fantasia, vício e solidão

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Dado Ruvic /Reuters

Fazemos contas a tudo. Fazemos contas à vida e ao dinheiro. Raramente fazemos contas ao tempo. Decidi fazer a contabilidade do meu: de um dia, oito horas gasto-as a dormir, outras oito a trabalhar, e preciso de saber o que faço do resto. Viagens, revisão de livros, aulas, e, como vivo sozinha: tratar do corpo, da roupa, das compras e do jantar. Mas ainda me sobrava tempo. Perguntei-me: "O que fazes depois de acordar, quando queres descomprimir do trabalho e depois de almoçar e jantar?", A resposta estava dada. Gastava-o no Facebook.

Para além do tempo que nos roubam e do tempo que nos tomam, o resto deixamo-lo escapar. Para mudar o hábito, procurei inspiração e resumi o plano:

1. Fazer a lista dos hábitos a mudar e focar apenas num de cada vez. 2. Compreender o que o desencadeia: antes de o fazer, o que sente? Onde está? Com quem está? O que acabou de fazer? 3. Escolher uma actividade que substitua esse hábito. 4. Repetir a nova actividade até se tornar no novo hábito.

As minhas respostas estavam dadas e as substituições escolhidas. Depois de acordar, iria caminhar. Depois do almoço, ler. Depois do jantar, conversaria com amigos, leria, veria filmes ou meditaria. Quando me sentisse aborrecida ou cansada, os motivos habituais que me levavam a entrar no Facebook, sairia do sítio onde estava, durante alguns minutos, para desanuviar. E assim fiz, durante 21 dias, o tempo supostamente necessário para deixar de pensar no hábito antigo e fazer automaticamente o novo. O que efectivamente aconteceu. Nas caminhadas matinais, com o Thoreau debaixo do braço, que isto de alterar hábitos exige motivações filosóficas, surgiu a pergunta: "Se toda a gente despreza de alguma forma o Facebook, o que nos faz estar tão imersos nele?".

Imergimos no Facebook porque precisamos de evadir-nos. Seja pela televisão, pelo jogo, pelas compras supérfluas, pelas ideias, pelo álcool ou pelas drogas, tentamos por todos os meios superar as nossas limitações humanas e afastar-nos das misérias da vida quotidiana. E precisamos dessa evasão especialmente quando estamos exaustos, porque poderíamos consegui-lo através do desporto, da arte ou da meditação. Mas, como diria Musil, o ser esgotado sente-se atraído pelo que lhe faz mal.

Isolamento

E o Facebook pode fazer mal por três motivos essenciais: fantasia, vício e solidão. É apenas uma fantasia porque é feito de verdades parciais. Não há silêncios incómodos, copos de vinho derramados, nem desarranjos intestinais. Lá, somos todos muito felizes e anfetaminadamente sociáveis. O problema é que no campo da ficção não é possível criar relações humanas íntimas. Todos sabemos que o determina a profundidade de uma relação é a qualidade e não a quantidade das interacções.

E qualidade implica estar com a pessoa em carne e osso. Substituir a comunicação cara-a-cara pela comunicação apenas no Facebook diminui as nossas capacidades de socialização e provoca isolamento. E não é o isolamento dos orgulhosamente não-conformistas, das mentes reflexivas, ou do estóico solitário. É a solidão. E é aqui que o Facebook se pode tornar viciante. Quando o utilizamos porque nos sentimos sozinhos mas estamos cada vez mais isolados por lá estarmos. Quando chega o momento em que já não fazemos "login" porque queremos falar com alguém mas porque temos de lá ir.

O meu objectivo não é juntar-me à paranoia anti-Facebook que o acusa de ser uma cominação que ataca a população inocente. É apenas uma tecnologia e, como tal, nós é que escolhemos como a usamos. A questão é que nós podemos escolher aquilo a que prestamos atenção e em que gastamos o tempo. Porque na vida contemporânea é extremamente difícil mantermo-nos conscientes e alerta, não nos afastarmos das fontes humanas de felicidade: contacto com a natureza, liberdade e relações humanas íntimas, e não ficarmos hipnotizados por uma orgia deslumbrante de ilusões. 

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