Elogio da normalidade (ou como nos esquecemos do que é importante)

O facto de se perspectivar a decência como a última das virtudes diz muito sobre o que o país espera dos seus governantes

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Helena Colaço Salazar/Público

Quando a notícia da demissão do Ministro da Administração Interna foi recebida com um misto de espanto e admiração ficou claro que já vivemos perfeitamente conformados com a ideia de que a ética não tem lugar no espaço político.

O Ministro da Administração Interna demitiu-se entendendo não poder continuar em funções na sequência de um escândalo que envolve pessoas que lhe são próximas e que são suspeitas da prática de crimes no desempenho de funções direcção da Administração Pública. Numa situação de normalidade, teríamos reagido com naturalidade, encarando a decisão como inevitável. O Ministro da Administração Interna seria a vítima visível dos danos colaterais resultantes da investigação policial que incide sobre a prática de actos ilícitos no processo de atribuição de "golden visas".

Mas não foi isso que aconteceu. O elogio à saída foi unânime. Louvou-se a candura do, agora, ex-Ministro da Administração Interna. Louvou-se o seu desprendimento ao cargo que ocupava. De patamar mínimo exigível aos intervenientes no espaço político, a decência foi promovida a dom maior, revelador de um carácter extraordinário.

Decência

O elogio da decência é a transposição para o plano ético da virtuosidade do “menos mal” enquanto descrição do estado de coisas. Ao contrário do que possa parecer, sempre que estamos “menos mal”, não estamos bem. “Menos mal” não é bem, embora também não seja tão mal quanto poderia ser. A decência, como limiar mínimo da virtude, não pode merecer senão o mais discreto dos elogios. Não é que não mereça um elogio, merece, mas não merece ser louvada para além do mínimo indispensável. Promover a decência a virtude sublime é elogiar a mediocridade no plano ético.

O facto de se perspectivar a decência como a última das virtudes diz muito sobre o que o país espera dos seus governantes e, em última análise, de si mesmo. É que quando a colocamos ao nível das virtudes que são, efectivamente extraordinárias e que de facto poucos de nós possuem, quando achamos extraordinária a mínima manifestação de decência, acabamos por indirectamente estar a assumir que não estamos habituados a ela. Em suma, assumimos que somos pouco exigentes.

Se a glorificação da decência é o nosso novo normal, estamos no mau caminho e não vamos sair dele tão cedo.

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