“Idoneidade”, a palavra que uniu todos os partidos na crítica a Carlos Costa

Governador garantiu que só não afastou Ricardo Salgado da liderança do BES porque não pôde. Mas acabou por entrar em contradição com as suas próprias explicações.

Foto
Enric Vives-Rubio

Da primeira à última pergunta, ao longo de sete horas, Carlos Costa foi confrontado por todos os deputados que intervieram (e foram nove) sobre o mesmo tema: por que não usou o seu poder para afastar Ricardo Salgado da liderança do BES, quando os indícios se avolumavam sobre os problemas de gestão no BES, em meados de 2013?

O governador pode, segundo a lei, averiguar se um banqueiro dispõe de “idoneidade” para o exercício da sua função, isto é, se ética e deontologicamente está apto para lidar com confiança dos cidadãos e empresas que emprestam e tomam emprestado dinheiro do banco.

Carlos Costa ensaiou duas respostas, diferentes. Talvez contraditórias. Primeiro explicou que não podia, dados os “condicionamentos legais” e a “jurisprudência” que tornavam essa possibilidade numa previsível derrota nos tribunais. A esse respeito, acrescentou, o Banco de Portugal já havia sido condenado por ter negado prestar um atestado de idoneidade, no passado. E, acrescentou, Ricardo Salgado fez-lhe chegar dois pareceres, em 2013, assinados por três juristas de Coimbra, que faziam “uma interpretação restritiva” desse poder do governador. 

Mas a segunda explicação que avançou não dependia da lei. Carlos Costa, em resposta a Cecília Meireles, do CDS, admitiu que retirar a idoneidade a Salgado poderia trazer consequências para a “estabilidade do sistema financeiro”. “Imaginem que eu, em Setembro de 2013, dizia que queria substituir a administração com base num indício. Isso criaria uma onda de choque. A posição do governador é muito delicada. Temos de sancionar, evitando criar ondas de desconfiança.”

Ou seja, por um lado, e respondendo a uma pergunta directa nesse sentido de Mariana Mortágua, BE - “Não retirou a idoneidade a RS porque não quis ou não pôde?” - Carlos Costa foi claro a responder que queria, mas não pôde: “Porque não pude, dados os condicionamentos legais.” Chegou a lamentar não ter o mesmo poder de “arma nuclear” do seu congénere inglês, que pode, “com um franzir de sobrolho”, afastar um banqueiro.

Em resposta a Carlos Abreu Amorim, do PSD, considerou a legislação portuguesa “um modelo demasiado reactivo”. O deputado reagiu com cepticismo: “Sempre que acontece um caso mudamos a lei. Será que vamos ter sempre um quadro legislativo insuficiente?” A resposta de Costa foi filosófica: “Entre o poder e o dever há uma questão. Se eu pudera, faria.”

O deputado Miguel Tiago, PCP, concluiu: “O senhor governador volta aqui a fazer a confissão de que a supervisão só pode funcionar quando não é necessária. Isso não faz sentido nenhum.”

Cecilia Meireles, CDS, estendeu a mão ao governador, para o criticar: “Eu percebo que o senhor governador teve de fazer um equilíbrio difícil. Percebo que a visão desta ponderação seja diferente agora. Mas também não posso deixar de reconhecer que, quando o senhor quis usar os seus poderes, usou, e muito bem. Aliás, nem precisou. Por que não os usou um ano e meio antes?”, perguntou, referindo-se ao afastamento da administração do banco, em Junho de 2014.

João Galamba, do PS, ensaiou uma explicação: “A decisão de manter a administração em funções teve alguma coisa a ver com o fim do programa de ajustamento e com a saída limpa, para evitar que se soubesse externamente o estado do banco?”

Carlos Costa negou qualquer “articulação” entre o caso BES e o fim do programa de assistência financeira da troika. Mas houve duas perguntas que ficaram sem resposta neste tema - uma raridade, dado que o governador tentou ser exaustivo. “Não se arrepende?”, perguntou Pedro Nuno Santos, PS. “Quantas avaliações de idoneidade foram abertas e fechadas a Ricardo Salgado desde 2013?”, questionou Mariana Mortágua.

 

Sugerir correcção
Ler 8 comentários