Morreu Anthímio José de Azevedo, o "Sr. Meteorologia"

Desaparece aos 88 anos um dos mais populares divulgadores da meteorologia em Portugal.

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Anthímio de Azevedo a apresentar na televisão o boletim meteorológico, num quadro escrito a giz Cortesia RTP
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Anthímio de Azevedo Miguel Silva/Arquivo

Durante anos a fio, primeiro a preto e branco e depois a cores, entrou nas casas dos portugueses à hora de jantar, na altura do Telejornal, para dizer o tempo que ia fazer no dia seguinte. Anthímio de Azevedo faz parte da memória colectiva portuguesa, tal como o próprio anticiclone dos Açores, de que o meteorologista tanto falava na apresentação do Boletim Meteorológico. Nasceu em 1926 na terra do anticiclone, em Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, e morreu esta segunda-feira aos 88 anos.

A história de Anthímio de Azevedo cruza-se com a da própria televisão. A Radiotelevisão Portuguesa (RTP) tinha sido inaugurada em 1956 e, cinco anos depois, o Telejornal passou a ter um serviço de meteorologia, tal como outras estações europeias. Iniciou-se assim uma longa colaboração entre a RTP e o Serviço Meteorológico Nacional e o seu sucessor, o Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica. No início, as previsões meteorológicas eram lidas, mas depois, a partir de 1 de Novembro de 1962, passaram a ser apresentadas por meteorologistas que se deslocavam ao estúdio.

Formado em Ciências Geofísicas pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Anthímio de Azevedo não fez logo parte dos primeiros senhores do tempo que, a partir de 1961, começaram a apresentar na RTP o Boletim Meteorológico. A sua chegada aos ecrãs deu-se um pouco depois, em 1964, mas é dele que muitos guardam hoje memória: aliada à novidade que a televisão ainda era na altura, a forma comunicativa com que apresentava o tempo contribuiu para essa popularidade.

Previsões a giz no quadro

Naquele tempo da televisão a preto e branco, a situação geral e as previsões meteorológicas eram desenhadas a giz num quadro preto, com as linhas isobáricas, os valores da temperatura e outros parâmetros meteorológicos. E Anthímio de Azevedo, munido de um ponteiro na mão, apontava para o quadro negro – e explicava e falava do anticiclone dos Açores.

Mas a preparação do Boletim Meteorológico não era fácil, como recordava o meteorologista ao PÚBLICO em 2002 (ver “Quando o anticiclone dos Açores chegou à tv”, de 22 de Setembro de 2002): “Era um problema todos os dias. Tínhamos de chegar antes das oito da noite, hora a que começava o Telejornal, para desenhar nos quadros as previsões, que era para não fazermos barulho com o giz durante o noticiário. Depois ficávamos ali muito sossegados e caladinhos, no outro lado da sala, em frente ao jornalista.”

Também recordou, nessa conversa, que os meteorologistas recrutados para apresentar o tempo nada sabiam de televisão. “Quando a televisão começou, ninguém tinha noção do que era fazer televisão. Pediram-nos apenas pessoas com capacidade de comunicação e que não tivessem medo de câmaras. Formação não houve. Posteriormente, começámos nós a procurar alguma coisa, e tínhamos ensaios em casa de um ou de outro.” Ele, no entanto, sentia-se à vontade porque, acrescentou, estava seguro do seu papel e da informação que estava a transmitir.

Ouvir as previsões do tempo, quando só havia um canal de televisão (o segundo canal chegou em 1968) e quando era impossível gravar um programa para o ver mais tarde, era importante para a vida quotidiana e profissional. “Havia muitos cafés por esse Portugal fora em que se fazia silêncio às oito da noite, porque havia muitos pescadores a sair para o mar, e muitos lavradores que tinham de saber o que fazer com o gado de madrugada, ou o que os esperava, para salvarem as colheitas”, lembrava ainda Anthímio de Azevedo, referindo-se à época em que nem todos tinham televisores e tinham de ir ver televisão aos cafés.

Esses eram ainda os tempos da “meteorologia de lápis e borracha”, como contava o meteorologista em 2010 à publicação Ensino Magazine. Estava-se longe dos longe da era dos satélites meteorológicos e do uso de computadores para fazer a análise das observações meteorológicas e as previsões.

As observações relativas à meia-noite TMG (Tempo Médio de Greenwich) e às 12h TMG, cobrindo o Atlântico Norte até ao Trópico de Câncer, parte oriental da América do Norte e da América Central, o Noroeste de África e toda a Europa até aos Montes Urais, iam chegando em telefaxes, relatava ainda o meteorologista. “Os boletins chegavam por telefax e iam sendo marcados manualmente por pessoal treinado e, cerca de quatro horas depois da hora da carta, começava a interpretação e análise; começava a meteorologia de ‘lápis e borracha’. O meteorologista começava a interpretar o campo da pressão e as diferenças de massas de ar, mas… vinha mais um boletim, terrestre ou oceânico e obrigava a usar a borracha. Cerca de seis depois da hora da carta, tentava-se um boletim de previsão que cobria o período até 24 horas depois da hora da carta.”

Era da carta das 12hTMG que saía, por volta das 18h, o boletim para os meios de informação. Era essa informação que chegava pela televisão a casa de todos. Mais tarde, na RTP, a situação geral e as previsões meteorológicas deixaram de ser riscadas no quadro preto e passaram a ser riscadas, também a giz, numa carta de plástico, dizia ainda Anthímio de Azevedo à Ensino Magazine.

A era da meteorologia com o computador reduziu o tempo de análise e previsão meteorológicas e Anthímio de Azevedo, ao longo da sua carreira, assistiu a esses avanços. “Agora, por volta das 04h [TMG], temos a previsão para quatro dias e, um pouco mais tarde, para dez dias (…)”, dizia. “Os coeficientes de acerto no Centro Europeu de Previsão a Médio Prazo, que pode orgulhar-se da qualidade das suas previsões em áreas de previsão de outros centros, são de 96 % para 24 horas, de 75% para o quarto dia e de 30% para o décimo dia.”

Numa primeira fase, Anthímio de Azevedo deu a cara pela meteorologia portuguesa de 1 de Novembro de 1964 a 1967. Interrompeu depois a apresentação meteorológica na RTP para ir chefiar o Serviço Meteorológico da Guiné. Voltou à RTP entre 1971 e 1975, para ir em novamente para Serviço Meteorológico da Guiné, entre 1976 e 1977, então como técnico da Organização Meteorológica Mundial para organizar o novo serviço nacional e formação de pessoal. Regressou uma última vez à apresentação do tempo na RTP entre 1981 a 1990 – altura em que este serviço meteorológico na televisão pública foi interrompido pela primeira vez, para ser retomado em 2007 e voltar a desaparecer em Abril deste ano da RTP, o único canal que ainda tinha este serviço. A informação meteorológica passou a ser apresentada só em mapas ou pelos pivots dos telejornais ou pelas chamadas “meninas do tempo”. Anthímio de Azevedo até era flexível neste aspecto. “Não é preciso ser-se um especialista, mas é preciso saber-se o que se diz”, considerava na conversa com o PÚBLICO.

O último cargo institucional que ocupou foi o de director do Serviço Regional dos Açores. Aposentou-se do serviço público e, entre 1992 e 1996, apresentou o tempo na TVI. Escreveu e traduziu livros científicos, em particular de meteorologia, climatologia, fenómenos de tempo adverso e alterações climáticas.

“Anthímio de Azevedo foi durante toda a vida um apaixonado pela meteorologia, um grande comunicador e um grande profissional”, refere em comunicado o Instituto Português do Mar e da Atmosfera. “Com aquela maneira muito particular e especial de comunicar, é um marco da entrada da meteorologia na informação pública televisiva”, referiu por sua vez à agência Lusa o meteorologista Manuel Costa Alves, que de Anthímio de Azevedo recorda em particular: “A sua maneira especial de ser, a forma como publicamente apresentava a sua análise dos acontecimentos meteorológicos, a sua expressividade e a capacidade de alcançar quem o via e ouvia.”


Notícia actualizada às 21h50.

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