Análises reforçam suspeitas sobre fábrica de adubos no surto de Legionella

Ministros invocam segredo de justiça para não apontar já responsáveis, mas análises confirmam que as bactérias vieram de torres de refrigeração.

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Daniel Rocha

Os resultados das análises realizadas até agora ao surto de Legionella em Vila Franca de Xira – que já infectou 316 pessoas e matou sete – reforçam a probabilidade de que a origem tenha sido a fábrica de adubos ADP Fertilizantes.

O Governo não quer apontar o dedo a ninguém nesta fase, invocando o segredo de justiça, já que há um inquérito a correr na Procuradoria-Geral da República. Mas o ministro da Saúde, Paulo Macedo, foi claro nesta sexta-feira ao dizer que as análises aumentaram a probabilidade em relação a uma empresa em particular.

“Numa das torres de uma empresa havia uma forte indicação de que podia ser a fonte de contaminação. Passados os testes laboratoriais, o que nós temos é uma probabilidade ainda mais forte de aquela torre ter exactamente uma coincidência com o tipo de Legionella que existe nas pessoas”, afirmou Paulo Macedo, na apresentação de um balanço do acompanhamento do surto, que tem vindo a ser feito por várias entidades.

Paulo Macedo não mencionou o nome da ADP Fertilizantes. No entanto, a empresa já tinha sido apontada esta semana como suspeita pelo ministro do Ambiente. Ordenamento do Território e Energia, Jorge Moreira da Silva, tendo sido alvo de uma inspecção de emergência na terça-feira. Os inspectores identificaram a presença de Legionella em três torres de refrigeração da fábrica – e não apenas em uma, como referiu o ministro.

Ainda assim, ambos os ministros se recusaram a apontar responsabilidades, até porque ainda há análises e inspecções em curso. “Não nos vamos precipitar a arranjar um culpado. Vamos ter a certeza de que não houve uma segunda ou outras fontes de contaminação”, disse Paulo Macedo.

O que é certo é que as bactérias que infectaram centenas de pessoas vieram de torres de refrigeração. Esta conclusão baseia-se no cruzamento de análises clínicas, ou seja aos doentes, e ambientais – nas redes de abastecimento de água, em centros comerciais, nas indústrias e noutros locais.

A meteorologia deu uma grande ajuda à propagação das bactérias. O vento, que normalmente vem de Oeste, soprou de Nordeste entre 18 de Outubro e 1 de Novembro. E a sua intensidade foi muito fraca. Além disso, houve dias de grande humidade, sobretudo à noite, e a camada limite da atmosfera, a coluna de ar a partir do solo onde ocorrem mais misturas, esteve muito baixa.

“São condições atmosféricas realmente particulares”, disse Miguel Miranda, presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), ao apresentar o estudo realizado por esta entidade.

Tudo somado, estas condições pouco habituais não só facilitaram a proliferação da bactéria como levaram a que o ar se tenha mantido estável na zona onde se deu o surto.

Segundo as conclusões apresentadas nesta sexta-feira no Ministério da Saúde, em Lisboa, “esta situação poderá ter potenciado o impacto de um surto de Legionella originado por uma fonte localizada essencialmente a nordeste da área onde estão localizadas as populações afectadas”.

Esta conclusão na prática coloca em foco duas possíveis fontes de poluição, a ADP Fertilizantes e a Central de Cervejas. Uma terceira alternativa, a fábrica de produtos químicos Solvay, onde também foi identifiada a Legionella, fica a sudoeste da zona onde se registaram mais casos.

A apresentação do ponto da situação do surto foi marcada por uma clara sensação de alívio por parte da Direcção-Geral da Saúde. Uma semana depois de declarado, o surto está a dar sinais evidentes de que está no fim. Nesta sexta-feira, havia apenas cinco novos casos confirmados até às 15h.

O director-geral da Saúde, Francisco George, destacou que estes resultados estão a ser observados apenas uma semana depois de ter sido identificado o surto e reforçou que “não teria sido possível fazer melhor”, tanto no tratamento dos mais de 300 doentes, como na procura de identificação da fonte da bactéria e nas mensagens transmitidas à população.

"Os moradores de Vila Franca de Xira podem estar descansados e regressar aos seus hábitos normais", disse Francisco George, em referência aos apelos que tinham sido feitos para que deixassem de tomar duche e desinfectassem os chuveiros.

As torres de refrigeração das indústrias da região permanecerão encerradas até que provem que estão livres da bactéria. “As torres podem reabrir tão cedo quanto as empresas promovam a sua limpeza, desinfecção e que comprovem, por análises em laboratórios acreditados, que não existe a presença de Legionella”, disse o responsável pela Inspecção Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (IGAMAOT), Nuno Banza. “Ainda nenhuma o fez”, completou.

Com o surto a acalmar, as atenções agora concentram-se na responsabilização de quem o terá causado. “Não estamos sequer a falar de contra-ordenações. Estamos a falar de consequências muito mais relevantes”, disse o ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, Jorge Moreira da Silva.

O Ministério Público já abriu um inquérito para apurar eventuais responsabilidades criminais. Em causa está sobretudo a possibilidade de um processo judicial por crime de poluição com perigo comum, que pode resultar em penas de até 11 anos de prisão.

Nuno Banza, o inspector-geral do Ambiente, referiu que foram recolhidos elementos de prova, que já foram validados pelo Ministério Público. Outros elementos ainda estão a ser preparados. “Naturalmente que num caso desta natureza faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para carregar o processo de todos os elementos que possam ser relevantes para quem terá de decidir em sede judicial”, afirmou, sem esclarecer se as provas referem-se a uma ou mais empresas.

Pelo menos no caso da ADP Fertilizantes, a IGAMAOT tem em seu poder não só resultados de análises laboratoriais, como também inúmeros dados sobre a operação da fábrica, como contratos de manutenção, entrada e saída de materiais, consumos de produtos e outras informações, recolhidas na inspecção extraordinária realizada na terça-feira.

“As empresas têm uma obrigação de monitorizar, acompanhar e desenvolver as melhores práticas para que não ocorra a presença de Legionella”, disse o ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva. “As condições ambientais em nenhum momento reduzem a responsabilidade que as entidades têm em garantir a não presença de Legionella”, completou.

A ADP Fertilizantes tinha sido alvo de uma inspecção da IGAMAOT em 2012. “Não havia nenhum incumprimento”, disse Nuno Banza. Em comunicado enviado neste sábado às redacções, a ADP Fertilizantes garantiu que "cumpre de forma rigorosa a lei e as recomendações decorrentes da sua licença ambiental" e que realizou, desde 2012, cinco análises de despistagem de Legionella nas torres de arrefecimento da fábrica de Alverca, a última das quais em Maio passado. "Todas revelaram resultados negativos", afirma, acrescentando que "as autoridades foram informadas dos valores apurados.

Notícia actualizada às 12h30 de 15 de Novembro: acrescenta esclarecimento da ADP Fertilizantes

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