Ministério Público investiga possível crime no surto de Legionella

Penas por crimes de poluição podem ir até 11 anos de prisão. Há já 311 casos e sete mortes confirmadas.

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O Ministério Público já tem em marcha um inquérito ao surto de Legionella em Vila Franca de Xira, que hospitalizou 311 pessoas e matou pelo menos sete. Em causa poderá estar a possível prática de um crime ambiental, que poderá resultar numa pena máxima de 11 anos de prisão.

A Procuradoria-Geral da República confirmou esta quinta-feira que foi aberto um inquérito no Departamento de Investigação e Acção Penal da Comarca de Vila Franca de Xira. Era uma iniciativa já esperada, dado que a origem do surto estará relacionada com aerossóis lançados por uma ou mais unidades industriais da zona.

Segundo os dados divulgados esta quinta-feira pela Direcção-Geral Saúde, foram reportados nove casos novos de Legionella. Ainda havia 48 pessoas internadas em unidades de cuidados intensivos e além dos sete óbitos confirmados, uma oitava morte estava “em investigação”.

De todos os doentes até agora, 303 foram internados na região de Lisboa e Vale do Tejo, três no Norte, quatro no Centro e um no Algarve. Um outro caso reportado no Algarve, bem como outros dois no estrangeiro “não têm ligação epidemiológica com o actual surto”, segundo um comunicado da Direcção-Geral de Saúde.

O actual surto de Legionella – um dos maiores do mundo – pode-se tornar num caso emblemático para o direito ambiental em Portugal. De acordo com a advogada Joana Aroso, da sociedade JPAB e Associados, o processo legal pode seguir por três vias, sendo uma delas a criminal.

“Podemos estar perante um crime de poluição com perigo comum”, afirma. Este tipo de crime está previsto no artigo 280.º do Código Penal e refere-se a quem, através da poluição, “criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, para bens patrimoniais alheios de valor elevado ou para monumentos culturais ou históricos”. As penas aí vão de um a oito anos de prisão.

Mas como houve pessoas que perderam a vida, aplica-se o artigo 285.º do Código Penal, que agrava em um terço as penas quando sempre que um crime de poluição “resultar morte ou ofensa à integridade física grave de outra pessoa”. Na prática, a pena máxima sobe para 11 anos.

Até agora, a hipótese mais provável para a origem do surto são as torres de refrigeração da fábrica de adubos ADP Fertilizantes, no Forte da Casa. Outras hipóteses ainda estão em estudo, mas a ADP foi alvo de uma acção inspectiva extraordinária na segunda-feira e a Inspecção Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (IGAMAOT) vai enviar os resultados ao Ministério Público.

Num comunicado, a ADP afirma ter cumprido “todas as obrigações impostas pela lei quanto à análise e tratamento de águas” nas suas torres de refrigeração e diz que “aguarda que a causa da contaminação seja descoberta com a celeridade possível”.

Embora a responsabilidade penal, por norma, se aplique apenas a pessoas, há algumas excepções, incluindo a de crimes de poluição com perigo comum que resulte em mortes. Por isso, a própria empresa – se for de facto responsabilizada e acusada – pode vir a sentar-se no banco dos réus. Neste caso, a pena de prisão seria transformada em multa.

Os responsáveis pelo surto também poderão ter de responder a outras instâncias administrativas ou judiciais: um processo de contra-ordenação e outro envolvendo indemnizações às vítimas, que podem correr em paralelo com o processo penal. “Estas três vias podem coexistir”, afirma Joana Aroso.

Um processo de contra-ordenação cabe à IGAMAOT, com base nas inspecções e análises realizadas. Por esta via, a IGAMAOT poderá vir a aplicar uma coima de até cinco milhões de euros a quem for declarado responsável pela poluição. No caso da inspecção à ADP Fertilizantes, o que está em causa é um eventual incumprimento da legislação sobre o regime de emissões industriais, possivelmente pela não adopção das melhores técnicas disponíveis para os sistemas industriais de arrefecimento.

As indemnizações são um capítulo à parte. Se houver um processo criminal, correrão por esta via. O próprio Ministério Público tem de informar os lesados de que têm direito a pedir indemnizações. A advogada Joana Aroso afirma que, nestes casos, os pedidos de indemnização beneficiam da própria investigação realizada no processo-crime. “Eu aconselharia os lesados a estarem atentos e colaborarem com as investigações”, sugere.

Mas se o processo for arquivado ou se não houver acusação ao final de oito meses, os lesados podem avançar com um pedido de indemnização num processo civil.

Joana Aroso chama a atenção também para uma legislação de 2008, sobre a responsabilidade por danos ambientais, onde este caso pode também ser enquadrado.

Notícia actualizada às 20h16: acrescenta detalhes sobre as questões judiciais

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