Metade dos doentes com AVC ainda vai para o hospital sem chamar o INEM

Em 2012 morreram menos 900 pessoas por doenças cerebrovasculares do que em 2008 e os enfartes também tiveram os valores mais baixos dos últimos cinco anos.

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As doenças do aparelho circulatório mantêm-se como a principal causa de morte da população portuguesa Enric Vives-Rubio

Perante sintomas como falta de força num braço, boca ao lado ou dificuldade em falar – os mais comuns nos acidentes vasculares cerebrais (AVC) – mais de metade dos doentes ainda arriscam e dirigem-se às urgências dos hospitais sem chamar o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM). O número é mais baixo no caso do enfarte agudo do miocárdio, em que 30% das pessoas não accionam os meios de socorro perante sinais de alerta como dor ou peso no peito, suores frios e náuseas ou vómitos e seguem para os hospitais por meios próprios, o que pode comprometer o tratamento.

“As pessoas podem estar a pôr em causa aquilo que são as janelas terapêuticas porque o encaminhamento faz-se para as áreas de residência, que nem sempre são as mais adequadas”, alertou nesta quinta-feira o director do Programa Nacional para as Doenças Cérebro Cardiovasculares, durante a apresentação do relatório Doenças Cérebro-Cardiovasculares em números – 2014, da Direcção-Geral da Saúde. Rui Cruz Ferreira lembra que estas doenças dispõem de uma chamada “via verde” nas unidades de saúde sempre que o doente seja transportado pelo INEM.

A “janela” que o cardiologista refere diz respeito a dois tratamentos com nomes complicados mas que têm sido fundamentais para reduzir a mortalidade: a chamada angioplastia primária, no caso do enfarte, e a fibrinólise, no AVC. O problema é que estes tratamentos, pela capacidade e conhecimento técnico que requerem, não estão disponíveis em todos os hospitais. O doente, ao ir para um hospital sem o apoio do INEM, corre o risco de dirigir-se para uma unidade que não faça a angioplastia ou a fibrinólise.

Além disso, mesmo que os tratamentos estejam disponíveis há regras muito claras para poderem ser aplicados. “No caso da fibrinólise os doentes têm uma janela terapêutica de três horas desde o início da sintomatologia. Se um doente espera duas horas em casa e não acorre de forma imediata a uma urgência está a perder grande parte da janela”, alerta o médico. No caso nos enfartes a janela é de 12 horas (chegando às 24 horas em alguns casos) e mais de 90% das pessoas já têm acesso às angioplastias primárias, que permitem que o doente recupere em três dias e que regresse ao trabalho. Já a fibrinólise exige a realização de uma TAC e não é indicada para todos os casos. Neste momento chega a 10% das pessoas, mas Rui Cruz Ferreira acredita que poderia alcançar os 20%.

Os resultados globais do relatório indicam que “as doenças do aparelho circulatório mantêm-se como principal causa de morte da população portuguesa”, ainda que tenha havido uma “redução progressiva daquilo que é o seu peso relativo”, tanto em número de óbitos como de sequelas, com os valores mais baixos dos últimos cinco anos. Melhorias que Rui Cruz Ferreira atribui à combinação de medidas de prevenção, como as legislações sobre o tabaco e o sal, e o alargamento do uso de medicamentos que ajudam a controlar a evolução de doenças como a hipertensão ou o colesterol elevado.

Em geral, a mortalidade prematura (pessoas com menos de 70 anos) em Portugal por doenças do aparelho circulatório desceu 18% entre 2008 e 2012. No mesmo período, reduziu-se em 15% a mortalidade prematura por doenças cerebrovasculares. Quanto a taxas de mortalidade, em 2013 morreram 4348 pessoas na sequência de enfartes (contra 4858 em 2008) e 13.020 por doenças cerebrovasculares (em 2008 foram 13.994). No caso da doença isquémica, Portugal tem dos melhores resultados da União Europeia a 27, sendo depois de França o país com uma taxa de mortalidade mais baixa. No AVC o cenário é o inverso, surgindo o país como o oitavo com piores resultados, depois da Bulgária, Roménia, Letónia, Lituânia, Hungria, Eslováquia e Estónia.

No caso das mortes nos hospitais por enfarte agudo do miocárdio, em 2013 foram registadas 1028 em 12.642 casos nos hospitais, quando no ano anterior tinham morrido 1129 pessoas em 12.683 casos. Quanto aos AVC isquémicos (os mais comuns e causados por “entupimentos”), no ano passado registaram-se 2317 mortes quando em 2009 eram 2508, sendo que em 2013 os hospitais até atenderam mais casos.

Em relação ao consumo de medicamentos para estas doenças, o relatório destaca o crescimento positivo do número de embalagens de fármacos destinados à hipertensão, ao colesterol e dos anticoagulantes. Esta subida, como constatou Rui Cruz Ferreira, foi conseguida ao mesmo tempo que o Serviço Nacional de Saúde gastou menos dinheiro. Em 2008, por exemplo, foram consumidas 20,5 milhões de embalagens de medicamentos para a tensão arterial e em 2012 esse número subiu para 25,1 milhões. Já a despesa do Serviço Nacional de Saúde caiu neste mesmo grupo de 304,9 milhões para 237,8 no mesmo período e o preço de venda ao público foi reduzido de um total de 419,1 para 353,9 milhões. 

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