We are all made of stars

Como explicar a felicidade escancarada no rosto da comunidade científica, e de cada um de nós, no momento em que a pequena Philae enviou os primeiros sinais para a Terra? No horizonte, a resposta a uma pergunta que, sendo filosófica, contém em si todas as perguntas da ciência: quem somos?

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ESA/Rosetta/NavCam – CC BY-SA IGO 3.0

A Pedra Rosetta e a Missão Rosetta têm em comum o facto de desafiarem as fronteiras do desconhecido. A primeira, descoberta no rio Nilo em 1799, permitiu a descodificação dos hieróglifos egípcios; a segunda, enviada há dez anos para o espaço pela Agência Espacial Europeia (ESA), conseguiu o feito megalómano de aterrar o primeiro módulo espacial num cometa. A herança desta última pertence às gerações vindouras. Um par de notas, para já.

Por entre o emaranhado de notícias sobre o dia-a-dia apático deste “inferno do igual” (Byung-Chul Han), a sonda Rosetta, que, após percorrer 4 mil milhões de milhas fez aterrar no dia 12 de Novembro de 2014 pelas 16h02m a sonda-robô Philae no cometa 67P/Churiumov-Gerasimenko, teve o mérito de nos suspender do torpor quotidiano e conectar ao além-espaço profundo. Algo que, a um bilião de quilómetros, nos toca de forma única. "We are all made of stars".

Porquê? Para que servem os biliões investidos neste tipo de missões? Como explicar a felicidade escancarada no rosto da comunidade científica, e de cada um de nós, no momento em que a pequena Philae enviou os primeiros sinais para a Terra? No horizonte, a resposta a uma pergunta que, sendo filosófica, contém em si todas as perguntas da ciência: quem somos?

Sendo uma missão técnico-científica que irá permitir recolher dados inéditos sobre a formação do sistema solar e a origem da vida, é mais do que isso. Por um dia, com os olhos postos nas estrelas, fizemos tréguas, cessámos as nossas disputas ideológicas do "fighting for food and shelter" e não foi por acaso. A Física é a ciência do tudo.

Sim, é preciso erguer o pensamento e a imaginação mais além. Sim, como refere Thomas Piketti no recentíssimo "O Capital no século XXI", o que mais contribui para a convergência e compressão de desigualdades (o tal "fighting for food and shelter") é o conhecimento, a sua difusão, a qualificação. A comunidade científica salientou a importância do trabalho de cooperação entre equipas de várias nacionalidades. É sobre o céu mas não vem do céu, é conhecimento, é especialização. Custa milhões. É um salto de fé.

Isto é um piscar de olhos à ciência em Portugal. Se queremos "o" salto, é preciso pensar em escala. É preciso evitar a todo o custo a emigração massiva dos nossos génios. A semana passada estive na ESTEC em Noordwijk, Holanda, e tive a oportunidade de falar pessoalmente com alguns deles. São jovens, brilhantes, gostam de Portugal. Partiram.

Ainda assim,“our dreams are becoming true”, como salientou um dos cientistas nas primeiras declarações sobre a aterragem no 67P. Se somos capazes disto, o que nos falta? Se tudo isto é sobre trabalhar em equipa, sonhar em conjunto, sobre a imaginação, numa palavra, sobre nós, o que nos falta?

O nome desta sonda faz homenagem a uma descoberta arqueológica, concebendo a ciência como um todo, da História à Física, da Engenharia Aeroespacial à Filosofia. Tudo um só. Trata-se de um legado que é para sempre. Pode começar hoje, agora.

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