A File tem energia para os próximos dois dias, o futuro é uma incógnita

Sonda pousou não uma, mas três vezes no cometa e, desde então, está imobilizada. Futuro da missão depende da energia que a File conseguir obter com os seus painéis solares, que, para já, é muito pouca.

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Uma imagem do ambiente do cometa captada pelo File depois de ter pousado no 67P ESA

A primeira fotografia divulgada nesta quinta-feira da sonda File pousada no cometa 67P/Churiumov-Gerasimenko é misteriosa e escura. Em primeiro plano vê-se uma das três patas da File, que na quarta-feira se separou da sonda Roseta e aterrou atabalhoadamente no cometa, no momento mais esperado desde o lançamento da Roseta, há dez anos, e completamente inédito na história da exploração mundial. Atrás da pata, há uma encosta rugosa, de textura e composição desconhecidas. E é tudo. Por agora, não se sabe muito mais do local nem do futuro da File, que começou a obter alguma informação científica mas pode não ter energia para mais do que uns dias de actividade.

Calcula-se que a File tenha ido parar a cerca de um quilómetro de distância da região de Agilkia, o local programado pela Agência Espacial Europeia (ESA) para a aterragem, que fica no topo do lobo mais pequeno do 67P, com a sua já conhecida forma de pato. Quando na quarta-feira às 16h03 se soube da aterragem da sonda, que está a cerca de 510 milhões de quilómetros da Terra, entre Júpiter e Marte, rapidamente o júbilo demonstrado pelos responsáveis da missão, no Centro Europeu de Operações Espaciais da ESA, em Darmstadt, Alemanha, foi substituído por preocupação.

Uma falha, de causa ainda desconhecida, impediu a ejecção dos dois arpões destinados a prender a File ao cometa, cuja gravidade ínfima podia deixar a sonda ressaltar. E a File, de facto, ressaltou, iniciando uma nova viagem que só terminou duas horas depois e que foi explicada nesta quinta-feira. “Aterrámos três vezes”, disse Stephan Ulamec, um dos responsáveis pela File, numa conferência de imprensa da ESA.

Os especialistas contaram que a File, sete horas depois de se libertar da Roseta e descer 20 quilómetros até ao cometa, acertou maravilhosa bem, à velocidade de um metro por segundo, no local previsto – um feito que gerou nesta quinta-feira aplausos para a equipa da dinâmica de voo, cujos membros foram considerados heróis.

Mas como não teve os arpões para se agarrar, o impacto (e talvez a ajuda de um chão fofo) fê-la voltar para o espaço e viajar durante uma hora e 50 minutos no ar, a uma velocidade de 30 centímetros por segundo. Depois, aterrou e deu ainda o derradeiro salto, bem mais pequeno: voou durante sete minutos, a três centímetros por segundo. Finalmente, caiu e ficou no local da fotografia mencionada.

Logo após a primeira das três aterragens, os sistemas operativos dos instrumentos científicos que a File transporta começaram a funcionar, tal como estava programado. Por isso, durante os ressaltos, o aparelho que emite ondas de rádio (para analisar a constituição do núcleo do cometa) estava a operar. E com esta informação, os cientistas conseguiram ter uma ideia de onde a sonda aterrou à terceira. Segundo Stephan Ulamec, os dados indicam que a sonda saltou por cima de uma grande cratera ao pé de Agilkia e ficou algures na margem oposta dessa cratera.

Na quinta-feira de manhã, os técnicos da ESA voltaram a receber sinais transmitidos pela File, que primeiro são recebidos pela Roseta, que continua em órbita do cometa, e são depois retransmitidos para a Terra. Durante a noite, as transmissões tinham caído devido à rotação do cometa. De manhã, as imagens da paisagem que rodeia o File e a informação sobre a constituição do núcleo do cometa chegaram cá. Ao mesmo tempo, foi-se compreendendo a verdadeira situação da pequena sonda de 100 quilos de massa.

Montanha-russa de emoções
Uma das três patas da File parece que não está a tocar no chão e a sonda deverá estar inclinada. Além disso, a geografia acidentada que rodeia a sonda pode estar a fazer sombra aos seus painéis solares. Assim, a File só recebe uma hora e meia de luz por cada “dia” de 12 horas, em vez das seis ou sete horas esperadas. Esta quantidade de luz pode ser insuficiente para alimentar a sonda durante os cerca de três meses que se esperava que ela estivesse activa.

Para já, as baterias principais da File dão-lhe energia para algumas dezenas de horas. “Para o próximo dia, estamos a salvo, para o dia seguinte vamos entrar numa situação crítica, porque recebemos muito pouca energia solar”, disse Stephan Ulamec, numa resposta a um jornalista que perguntava quando seria o momento ideal para se usar as brocas e recolha de amostras do solo. A File iria analisar a composição das amostras.

Mas a escassez da energia e a possibilidade de a missão na superfície do cometa terminar mais cedo limitam o grau de liberdade dos responsáveis da ESA. Além disso, como a sonda não está presa ao solo pelos arpões, teme-se que certas acções como o uso das brocas a voltem a pôr em movimento. O próprio custo energético de uma avaliação profunda da situação da File, para se ter uma ideia do risco de se usar os arpões, pode não compensar face à importância de obter dados científicos dos instrumentos que funcionam.

Há, por isso, muitas incógnitas. Jean-Pierre Bibring, um dos principais cientistas da File, explicava nesta quinta-feira que o movimento dos instrumentos da sonda pode alterar a sua posição e fazer com que, de repente, os painéis solares captem mais luz. Portanto, ainda está tudo em jogo na maior experiência científica de sempre sobre cometas, que pode ajudar-nos a perceber como apareceram as condições para a vida na Terra, no início do sistema solar. Como dizia ainda Ignacio Tanco, um dos responsáveis da ESA na conferência de imprensa, que contou com momentos de tanta emoção que alguns engenheiros não conseguiram conter as lágrimas: “Os últimos dois dias têm sido uma montanha-russa. Estamos muito felizes com a forma como as coisas estão a correr. E muito aliviados.”

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