Meteorologistas investigam o vento para explicar o surto

Instituto Português do Mar e da Atmosfera analisa ventos em Vila Franca de Xira desde 1 de Outubro para tentar explicar os casos de Legionella.

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A ADF Fertilizantes é um dos locais apontados como possível foco da doença Miguel Manso

Se o surto de Legionella em Vila Franca de Xira teve de facto origem em torres de refrigeração industrial, então o vento terá feito o resto do trabalho. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) está a analisar dados sobre a direcção e a intensidade dos ventos registados desde 1 de Outubro, de modo a tentar encontrar uma relação entre a dispersão de aerossóis das indústrias da região e os casos registados da Doença do Legionário.

Com as suspeitas a recaírem sobre a empresa ADP Fertilizantes, a principal hipótese a testar é se os ventos sopraram de Nordeste no período em que os doentes foram infectados. Só assim é que as bactérias, se de facto foram emitidas das torres de refrigeração, atingiriam as freguesias que são o epicentro do surto — Forte da Casa, Vialonga e Póvoa de Santa Iria.

Os dados brutos obtidos pelo IPMA, e que ainda estão a ser trabalhados, indicam que foi assim que ocorreu em momentos críticos nas últimas três semanas. Entre 19 e 25 de Outubro, os ventos predominantes a 10 e a 80 metros do solo foram de Nordeste. De 26 de Outubro a 1 de Novembro foram mais variáveis e, daí em diante, oscilaram entre Norte e Oeste.

O IPMA está a trabalhar também com dados da intensidade dos ventos e com aquilo a que os meteorologistas chamam “camada limite” da atmosfera — que é a sua porção mais directamente afectada pelo calor irradiado pelo solo e onde, numa explicação simplista, ocorrem todas as misturas. Normalmente, durante o dia esta camada vai até a um quilómetro do solo. À noite, fica-se pelos 100 metros.

Quanto mais espessa a camada, maior é a possibilidade de dispersão de poluentes. Na zona afectada, houve períodos que fugiram à média. “Há dias em que a camada limite tem apenas 300 metros durante o dia. A concentração de bactérias pode ter sido superior”, afirma Pedro Viterbo, director do Departamento de Meteorologia e Geofísica do IPMA.

Para relacionar as condições do tempo com os casos registados de Legionella será preciso cruzar os dados meteorológicos com a estimativa de quando os doentes foram de facto infectados. Os sintomas surgem entre dois a dez dias após a inalação da bactéria. O surto tornou-se evidente a 7 de Novembro, mas a Direcção-Geral de Saúde admite que a primeira infecção poderá ter ocorrido logo a 18 de Outubro.

As temperaturas poderão também ter ajudado. Portugal viveu o Outubro mais quente dos últimos 84 anos, segundo o IPMA. E o mês aqueceu sobretudo a partir do dia 17, com o calor a apertar ainda mais entre os dias 20 e 24. Num terço do país, a temperatura passou dos 30ºC. Em Faro, chegou a quase 36ºC. Também está a ser feito um cruzamento entre os dados meteorológicos e o local onde vivem as pessoas afectadas.

A transmissão da Legionella através do ar exterior é incomum, mas não inédita. Um artigo científico publicado em 2006 relata um surto em Pas-de-Calais, França, entre Novembro de 2003 e Janeiro de 2004, em que 86 pessoas foram infectadas por bactérias lançadas por uma torre de refrigeração a mais de seis quilómetros de distância. Na Noruega, em 2005, houve outro caso com contornos semelhantes, em que a contaminação se alastrou para além dos dez quilómetros, embora mais concentrada num raio de um quilómetro a partir de uma unidade industrial.

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