Juiz diz que magistrados temeram pela segurança em Timor onde “ainda há milícias”

Magistrado acusa governo timorense de ter tentado virar o povo contra os portugueses e de ter interferido politicamente nos processos judiciais. "O que acontece em Timor não é democrático. Não há nada que não passe por Xanana”, acusa.

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Os magistrados portugueses que estavam colocados em Timor-Leste passaram os últimos dias com receio relativamente à sua segurança. Não tinham dúvidas de que esta estava em causa. Deixaram de circular pelas ruas. Só saíam para ir trabalhar.

A denúncia é feita pelo juiz Eduardo Neves, que trabalhava há dois meses no Tribunal Distrital de Díli em casos relacionados com as petrolíferas e que, na tarde desta segunda-feira, aterrou no Aeroporto do Porto, regressado de Timor-Leste, donde foi expulso juntamente com outros sete magistrados e um polícia.

“Tínhamos receio. É bom recordar que a democracia timorense é muito recente, que o discurso público e político, de certa forma, pretendeu virar o povo contra nós e que ainda há milícias a trabalhar em Timor, um país onde quase tudo se resolve à catanada. Fomos publicamente acusados de ameaçar a soberania timorense e de traição ao Estado. Os timorenses não percebem o que se passou nos processos. Só ouviram isso e a ameaça à nossa segurança era patente”, lamentou ao PÚBLICO Eduardo Neves, um dos juízes expulsos.

A 3 de Novembro, o governo timorense deu 48 horas aos magistrados expulsos para abandonarem o país. Eduardo Neves saiu no dia seguinte, no primeiro voo que conseguiu para Bali, na Indonésia. Ficou por lá uma semana, até conseguir ligação para Portugal. “Tínhamos informação de que seríamos presos mal esse prazo terminasse. Os juízes timorenses apoiavam-nos, mas a nossa presença nos tribunais já não era bem-vinda”, conta ainda.

Eduardo Neves diz que nenhum juiz foi ameaçado directamente, mas descreve um ambiente cada vez mais hostil aos magistrados do qual encontra exemplo no conteúdo “agressivo” de um blogue que diz ser publicado a partir de Timor. No blogue O Eça (http://sebasgut.blogspot.pt/), seguido pelos magistrados, os agentes judiciais portugueses foram directamente acusados de “administrar a justiça com má-fé” e de a aplicar “de forma persecutória, escolhendo a dedo as suas vítimas” em função das “pretensões políticas de alguém”. Para isso, “fabricavam provas” condenando “inocentes”. “Finito: comecem já a fazer a trouxa”, lê-se ainda.

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) português não se pronuncia em concreto “sobre situações particulares” em que a segurança dos juízes possa ter estado em causa. Para o CSM, o importante é que todos regressem em segurança. Quatro já estão em Portugal, os restantes estão em trânsito, nomeadamente em Bali, onde esperam voo de regresso.

Eduardo Neves trabalhava em processos de natureza cível. “Fiz subir apenas meia dúzia de recursos [em processos perdidos pelo Estado contra petrolíferas] para o Tribunal de Recurso. Não cheguei a julgar processos, mas ia recebê-los”, explica.

Segundo o juiz, o processo mais “problemático” estava a ser julgado em Singapura por um juiz norte-americano no âmbito de acordos judiciais. “Esse é aquele em que Timor perdeu mais dinheiro”, refere. Já os juízes portugueses “não tomaram decisões definitivas. Os casos estão em recurso”, acrescenta.

Aliás, diz, os pareceres de advogados norte-americanos e professores de Direito portugueses com base nos quais o primeiro-ministro Xanana Gusmão decidiu a expulsão dos magistrados, faziam parte da argumentação incluída nesses recursos.

Por isso, é claro para o juiz português que “houve interferência do poder político no poder judicial”. Em “algum país europeu, um primeiro-ministro poderia substituir um juiz porque os advogados criticaram uma decisão?” O juiz pergunta e responde: “Não. O que acontece em Timor não é democrático. Não há nada que não passe por Xanana”.

O Presidente da República, Cavaco Silva, considerou esta segunda-feira que a expulsão de magistrados “foi uma reacção desproporcionada das autoridades timorenses”.

Eduardo Neves deverá ser entretanto ouvido no CSM juntamente com os restantes juízes que estiveram em Timor. O mesmo acontecerá com os procuradores. Serão ouvidos pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) a 18 de Setembro. Fonte do CSMP explicou que ainda faltará chegar um deles.

Uma das procuradoras, Glória Alves, esteve esta segunda-feira reunida com a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, para lhe expor o que aconteceu naquele território e levou à sua expulsão. À saída também afirmou que o governo e o primeiro-ministro timorense interferem nos tribunais.

“Há duas resoluções [uma delas a de expulsão] que estão assinadas pelo conselho de ministros e pelo senhor Xanana Gusmão. É claro de onde vêm as pressões, basta ler”, afirmou Glória Alves. Numa delas, o primeiro-ministro fazia uma avaliação negativa do sistema judicial de Timor, descrevendo “indícios de erros e irregularidades” nos tribunais.

O parlamento timorense aprovou uma auditoria ao sistema judicial e a suspensão dos contratos com funcionários judiciais internacionais. Seguiu-se outra resolução do conselho de ministros que determinou a revogação dos vistos de oito funcionários judiciais, sete dos quais portugueses. 

Xanana Gusmão justificou a auditoria ao sistema judicial daquele país com falhas detectadas nos processos contra empresas petrolíferas, que fizeram o país perder dinheiro em impostos. Mas os funcionários portugueses trabalharam também em investigações de processos de corrupção que envolveram responsáveis políticos, antigos e actuais, de Timor-Leste.

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