A comunicação numa sociedade compreensivelmente desconfiada

Dotar a comunicação de um sentido moralmente cívico é um dos elementos nucleares do novo paradigma da relação entre as entidades empresariais, sociais, políticas e culturais e os cidadãos.

A grande crise de 2007 e 2008 iniciou um processo que, a um ritmo impensável, levou ao colapso de grandes pilares económicos e instituições financeiras que todos davam como valores seguros e inabaláveis. Derrubaram-se grandes realidades empresariais quase do dia para a noite. Em Portugal, o recente caso do BES e todas as hesitações e falta de clareza ao longo do processo que penalizaram fortemente os investidores, é exemplar para ilustrar esta realidade. Em Espanha, infelizmente, os exemplos também são numerosos.

Enfrentamos hoje uma sociedade compreensivelmente desconfiada face às organizações empresariais, políticas e sociais que, de uma maneira ou de outra, direta ou indiretamente têm sido protagonistas nesta crise.

A fiabilidade da comunicação transmitida aos mercados e aos grupos de interesse por instâncias que, com a recessão, se volatilizaram ou ficaram fortemente fragilizadas foi posta em causa. Por isso, o primeiro desafio dos especialistas em comunicação é assumir que temos de restaurar a confiança, uma difícil tarefa perante uma audiência social desconfiada e agora muito mais exigente e precavida do que há uns anos atrás. E muito mais autónoma na gestão das suas fontes de informação, com mais instrumentos de interação, com mais capacidade de pressão, com uma maior consciência dos seus direitos e do seu poder.

Esta reflexão, que fez parte da minha intervenção numa das sessões de abertura do Fórum Mundial de Relações Públicas, que teve lugar em Madrid nos passados dias 21 e 22 de Setembro, tem obrigatoriamente que ser partilhada com todos os que trabalham em comunicação mas também com os líderes empresariais e políticos e todos os cidadãos, pois há um novo paradigma da comunicação a que ninguém se pode manter alheio.

O exercício da cidadania pode agora resumir-se à exigência de transparência que é também um dos mega conceitos do nosso tempo. E não basta que as Administrações Públicas se dotem de mecanismos legais para que o cidadão possa avaliar o seu trabalho. É, também, uma exigência de carácter social.

Afastemos, pois, tudo aquilo que se possa confundir com a artificialidade, as meias verdades e a ocultação. Porque a reputação é incompatível com práticas que se associem a uma etapa anterior que fracassou e na qual as possibilidades de manipulação eram tentadoras porque a sociedade e os cidadãos não dispunham, como acontece agora, da consciência da sua própria influência, do seu radical protagonismo.

Dotar a comunicação de um sentido moralmente cívico é um dos elementos nucleares do novo paradigma da relação entre as entidades empresariais, sociais, políticas e culturais e os cidadãos.

E é assim, não só por um imperativo ético, mas também porque a sociedade encontrou e otimizou novas maneiras e formas de interagir entre os cidadãos e destes com as instâncias de poder – seja ele qual for – sem a necessidade de utilizar intermediários.

Este é o papel que desempenham as redes sociais, nas quais os profissionais da gestão da comunicação têm que trabalhar em diferentes níveis, desde a escuta para a aprendizagem e a deteção de tendências, até à participação na construção da narrativa comunicacional e, portanto, da reputação.

Por outro lado, devemos ter em conta que já não existe opinião pública – um conceito oceânico e abstrato – mas sim opiniões públicas, sectores, segmentos, grupos de interesse que obrigam a substituir a inundação comunicacional pela irrigação seletiva de mensagens.

A globalização impõe ritmos diferentes na narrativa que a comunicação contém, mas também especifica nichos de interesse. Daí que a nossa gestão tenha de incorporar a sociologia e outras disciplinas como instrumentos de discernimento para a eficácia da sua função.

Consequentemente, a relação com os meios de comunicação tradicionais – que continua a ser importante – tem que ser redefinida, porque estes deixaram de ser um stakeholder quase único para se converterem num de muitos, primordial é certo, mas ainda assim inserido num leque agora mais amplo de grupos de interesse com uma decisiva capacidade de prescrição.

No centro deste novo paradigma da comunicação gostava de destacar três aspetos, a meu ver fundamentais.

O primeiro consiste na necessidade de que a nossa gestão e intervenção não se produza a posteriori dos factos que formam a narrativa comunicacional. Temos que estar na tomada de decisões que sejam determinantes, se bem que no âmbito que nos diz respeito. Portanto, preconizamos – ou devemos fazê-lo que a comunicação é uma variável estratégica e de valor acrescentado na gestão dos interesses da empresa, organização, ou instância social ou política com quem colaboramos.

O segundo aspeto reside na necessidade de a narrativa comunicacional ser assumida como um imperativo da gestão global e, portanto, que reúna o compromisso interno dos nossos mandatários a todos os níveis, para que alcance a sua máxima eficácia.

Trata-se, assim, que a variável da comunicação acrescente valor e se integre na estratégia geral de ação das empresas e instituições. Nessa perspetiva, é inevitável considerar que a comunicação deve abarcar aspetos que até agora pareciam ser-lhe alheios. E sobretudo um: a comunicação faz parte da inteligência corporativa de empresas e entidades e configura-se assim como uma atividade multidisciplinar porque incide sobre uma sociedade da conversação cuja interação e temáticas são cada dia mais amplas.

O terceiro aspeto do novo paradigma da comunicação refere-se ao binómio cidadania-proximidade. As entidades empresariais, ou de outra natureza, mais próximas dos cidadãos são as que conseguem maior credibilidade, mais confiança e mais empatia social, como demonstram numerosos inquéritos e estudos de opinião. É importante trabalhar sobre o conceito da proximidade virtual que é a que pode proporcionar uma boa gestão da tecnologia digital, cuja evolução é realmente vertiginosa.

Ao mesmo tempo, o destinatário do impacto do conhecimento sobre que trabalhamos – a comunicação é a gestão do conhecimento – não é uma abstração anónima. Tem que ser definido, dispor de entidade e valorização. Dirigimo-nos a um cidadão em concreto e não a um conjunto amorfo e despersonalizado. Na socialização geral do nosso tempo, emerge, em simultâneo, a singularidade tão reivindicada como o coletivo.

O novo paradigma que se nos depara implica, sobretudo, que o valor acrescentado da comunicação não seja apenas o da notoriedade, mas também o da credibilidade, isto é, a boa perceção que se consubstancia na construção de um renovado conceito de reputação, fazendo-o, além disso, através da multiplicidade de canais disponíveis para chegar a audiências e grupos de interesse predefinidos.

Para dizê-lo de forma direta e sem eufemismos: somos convocados a gerir a comunicação com um profundo sentido ético. E neste caso, o sentido ético refere-se à transmissão dos factos, da realidade, em detrimento do slogan, do lema e do eufemismo. Nem a política, nem a empresa suportam mais os velhos hábitos de uma propaganda banal que não transmita confiança e certezas que são os fundamentos da reputação, sem o que qualquer liderança é enganosa e, portanto, fugaz e inconsistente.

Presidente da Imago-Llorente & Cuenca, Presidente e sócio fundador da Llorente & Cuenca

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