A verdade da pop segundo Lady Gaga

A Lady Gaga que regressa a Portugal esta segunda-feira para apresentar Artpop já não é a mesma de 2010, quando se estreou no então Pavilhão Atlântico. Revolucionar a pop, como ambicionado então, parece quimera inalcançável

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Lady Gaga na apresentação do seu disco Artpop em Nova Iorque AFP PHOTO / Emmanuel Dunand
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Com "Volantis", uma máquina voadora, na apresentação do seu disco Artpop em Nova Iorque
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Lady Gaga chega ao Roseland Ballroom em Abril deste ano
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Lady Gaga chega ao aeroporto Narita, em Tóquio, em Agosto de 2014
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Lady Gaga canta Do What You Want nos Music Awards, em Los Ageles, em 2013
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A cantora nos American Music Awards, em Los Ageles, em 2013
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Lady Gaga nos YouTube Music Awards, em Nova Iorque, em 2013
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Lady Gaga num hotel em Hong Kong em 2012
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Lady Gaga num comício em Portland
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Lady Gaga na Universidade de Harvard University para lançar a sua Born This Way Foundation
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A artista num workshop sobre ela própria no Barneys, em Nova Iorque
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Lady Gaga na apresentação do seu disco Artpop em Nova Iorque

Não estamos em 2010. Nesse ano, Lady Gaga tinha sido erguida a uma das estrelas maiores da pop através do álbum The Fame e do EP The Fame Monster e de singles como Bad romance ou Telephone.

Era a cantora que não era apenas cantora: uma artista que fazia da controvérsia (o discurso sobre sexo e drogas, as roupas provocadoras) uma forma de despertar o que considerava uma cena pop anémica. Em 2010, era uma das cem personalidades mais influentes no mundo, como definido pela Time.

Em 2010, continuemos, a mulher nascida Stefani Joanne Angelina Germanotta em 1986, em Manhattan, Nova Iorque, era, evidentemente, a sucessora de Madonna no século XXI. Um ano depois, diria ao Hollywood Reporter: “Não quero soar presunçosa, mas defini como objectivo revolucionar a música pop”. E “a última revolução foi iniciada por Madonna há 25 anos”.

Em 2010, foi essa Lady Gaga que passou por Portugal, pelo então Pavilhão Atântico, em Lisboa, perante uma plateia repleta daqueles a quem chama (e que se auto-intitulam) “little monsters” [“pequenos monstros”], ou seja os seus fãs, ou seja, desde crianças de oito anos até aos seus pais, uns e outros atraídos pela pop electrónica e pela exuberância da imagem.

Em 2014, quando regressa ao mesmo local, agora rebaptizado MEO Arena, muito mudou. Subirá a palco na noite desta segunda-feira para cumprir mais uma data da digressão Lady Gaga’s artRAVE: The Artpop Ball, a de apresentação o seu terceiro álbum, Artpop. Um álbum que travou uma ascensão meteórica. Vendas mundiais de 2,3 milhões de cópias garantiram-lhe o terceiro primeiro lugar na tabela americana, mas ficam bem abaixo dos seis milhões de Born this way (o segundo álbum) ou dos 15 milhões de The Fame, a estreia. Junte-se a esse facto a recepção crítica pouco entusiasta e, considerando a ambição “revolucionária” de Lady Gaga, compreendemos melhor as suas declarações à Parade em Setembro. “Há seis meses não queria voltar a cantar. Estava muito triste. Não conseguia dormir. Sentia-me morta” – a razão para tal era, precisamente, a fraca performance crítica e comercial do álbum em que, diz, tanto de si investira.

Entretanto encontrou-se com Tony Bennett, o lendário cantor jazz americano, da parceria resultou o recente álbum de standards em dueto, Cheek to cheek, e ela deixou a tristeza para trás. Percebeu, confessou em Setembro ao Wall Street Journal, que já não precisa de ser “um cantora comercial”: “Posso cantar simplesmente num bar na baixa da cidade e sentir-me-ei muito mais feliz”.

Não sabemos até que ponto a confissão é absolutamente sincera (Lady Gaga e contradição andam de braço dado), mas algo parece realmente ter mudado. Talvez tenha percebido que revolucionar a pop no século XXI, na era das redes sociais e da fama tão instantânea quanto passageira, é tarefa demasiado árdua. Talvez tenha percebido que cantar as suas canções (e pensar o aparato visual dos concertos, definir a arte gráfica e imaginar o conceito dos vídeos) para o seu público (que é ainda em grande número, apesar de menor que quando da explosão mediática de há cinco anos), não será, afinal, mau objectivo de carreira.

2014 tem sido realmente um ano difícil para a cantora. Além do impacto reduzido de Artpop, sofreu uma operação à anca, pôs fim à duradoura e bem-sucedida relação com o seu agente de longa data, Troy Parker, e foi nomeada para a paródia que são os Razzies, os anti-Óscares, como pior actriz secundária pela participação em Machete Kills, de Robert Rodriguez (o “prémio” acabou calhar a Kim Kardshian).

Nada disso, porém, passará pelo palco da Meo Arena. A cantora que se modelou no exemplo artístico de Andy Warhol, que se diz inspirada por David Bowie, Queen ou Madonna, que adorava o amigo Alexander McQueen, o estilista falecido em 2010 em que se revia pelo arrojo no universo da moda, esta cantora chamada Lady Gaga, dizíamos, não parece talhada para dar sinais de fraqueza em palco: esse é o espaço da fantasia derradeira, como ela, que despertou para o impacto das artes cénicas quando, criança, viu o Fantasma da Ópera de Andrew Lloyd Weber, bem o sabe. Claro que o musical que é um concerto de Lady Gaga tem uma natureza completamente diferente. É um espectáculo muito de acordo com o estabelecido na pop americana actual por figuras como Beyoncé, Jennifer Lopez, Miley Cyrus ou ela própria, ou seja, repleto de cenários, dançarinos e coreografias.

Em palco estarão 14 bailarinos e uma banda formada por dois guitarristas, baixista, teclista e baterista. Durante os 90 minutos do concerto, assistir-se-á a 14 mudanças de vestuário, ver-se-á nascer um jardim insuflável durante a interpretação de Venus, iremos ver Lady Gaga percorrer os 34 metros de uma passadeira que estende do palco e sobre a plateia. Ouvir-se-ão 24 canções.

Relatos da digressão que, quando concluída em Paris a 24 de Novembro, terá passado por 68 cidades, falam-nos também de um fato de asas felpudas ou de outro com tentáculos de cefalópode, de bailarinas em topless, de momentos de muita luz e muita agitação, de outros mais intimistas em que Lady Gaga se senta ao piano para interpretar Dope ou Bang Bang, a canção de Sonny & Cher que cantou em Cheek to Cheek com Tony Bennett. Ouvem-se os êxitos (Bad romance, Alejandro, Telephone, Poker face, Born this way), ouvem-se as canções de Artpop e ouve-se Lady Gaga falar com o seu público acerca da necessidade pôr a dor ao serviço da arte.

Lady Gaga defendeu repetidamente que tudo nela é real, a verdade. Que a sua vida é exactamente o que é a sua arte. Mas a mesma Lady Gaga, em entrevista de capa para a Rolling Stone, em 2010, exclamava: “A música é uma mentira. A arte é uma mentira”. E acrescentava: “Tens que contar uma mentira tão maravilhosa que os teus fãs a tornam verdadeira”. Agora que a fase revolucionária terminou sem que a revolução tenha chegado, Lady Gaga tem a fantasia que criou e que continua a acreditar que os fãs tornarão realidade. Esta segunda-feira, na MEO Arena, subirá a palco para cantar as canções e dançar as coreografias que a sustentam.

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