Lição da queda do Muro é que “nada tem de ficar como está”

Chanceler alemã deixa nota de esperança nas comemorações dos 25 anos após a queda do Muro de Berlim.

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Cidade de Berlim temporariamente dividida por uma instalação de balões luminosos, que reconstituíram o trajecto do Muro REUTERS/Pawel Kopczynski

Sete mil balões brancos soltos nos céus de Berlim – este foi o ponto final das comemorações da queda do Muro, há 25 anos. Desde sexta-feira, os balões estavam a marcar o local por onde passou a barreira, fazendo uma chamada fronteira de luz, presos em estacas a 3,6 metros de altura, a exacta altura que tinha o muro.

Ao serem soltos, soava o Hino à Alegria, de Beethoven, que é também o hino oficial da União Europeia. Os balões eram, claro, biodegradáveis (afinal trata-se da super-ecológica Alemanha).

Foi uma comemoração luminosa numa Berlim fria e de céus cinzentos, onde ainda assim se esperavam dois milhões de pessoas, entre berlinenses e turistas alemães e estrangeiros, que se aqueciam com vinho quente ou junto aos quiosques das típicas currywurst (salsichas com ketchup de caril).

A chanceler alemã, Angela Merkel, quis deixar uma nota de esperança nestas comemorações: A queda do Muro é, assim, uma lição de que “é possível mudar as coisas a bem”, disse. O acontecimento é um sinal de esperança para países como “a Ucrânia, a Síria, ou o Iraque”, onde “as liberdades são ameaçadas”, continuou a chanceler. “A queda do Muro mostra-nos que os sonhos podem tornar-se realidade. Nada tem de ficar como está.”

A inspiração da “fronteira de luz” veio de duas ideias: de que o Muro foi quase apagado de Berlim logo a seguir à sua queda, e das velas levadas pelos manifestantes nas ruas de Leipzig que começaram a pedir liberdade na rua um mês antes.

“Tanta coisa mudou”, dizia Christoph Bauder, 41 anos, o designer que junto com o seu irmão desenhou a instalação de luz. “Acho que é bom de vez em quando dar uma espreitadela ao que seria viver nesta cidade nessa altura”, disse. Se há sítios onde toda a gente se lembra onde passava o Muro, como a Porta de Brandeburgo ou a Potsdamer Platz, há muitos outros onde o trajecto sinuoso da barreira faz mais difícil de lembrar mesmo para quem viveu em Berlim nesta altura. E com tantos novos moradores, estima-se que uma boa parte dos habitantes da capital alemã não tenham tido qualquer tipo de contacto com a barreira que dividu a cidade durante 28 anos.

Há pouco mais de uma década começaram tentativas de sinalizar melhor onde passava o Muro, como o Mauerweg, ou caminho do muro em alemão, uma via pedonal e ciclovia ao longo do pecurso da antiga barreira. O dia de domingo começou justamente com um passeio de milhares de pessoas ao longo desse trajecto.

O lema das comemorações do 25º aniversário da queda do Muro foi “coragem para a liberdade”. Desta vez, os alemães centraram-se em si próprios e na sua luta para a liberdade, com o Presidente Joachim Gauck a dar o mote para o arranque das celebrações em Leipzig onde começaram as manifestações pacíficas.

Não foram convidados líderes estrangeiros para a principal celebração oficial, apenas para outros eventos, um contraste marcante com o que aconteceu no 20ª aniversário quando coube ao antigo líder polaco Lech Walesa, que dirigia o movimento Solidariedade, derrubar a primeira peça de uma cadeia de dominós gigante que assinalava o percurso do Muro.

“Durante o ano de 1989, cada vez mais alemães do Leste perderam o medo da repressão do Estado e foram para a rua. Nessa altura já não havia volta a dar. Foi graças à sua coragem que o Muro se abriu”, disse Merkel, que então vivia em Berlim Oriental (e não teve actividade política até à queda do Muro).

Nessa noite a chanceler não alterou os seus planos de quinta-feira – ia sempre à sauna com uma amiga – e mesmo que tivesse ido com a multidão até Berlim Ocidental, o entusiasmo não foi suficiente para a fazer esquecer que tinha de se levantar cedo no dia seguinte, e assim voltou passado pouco tempo para casa. Ainda assim, este domingo recordou “uma noite verdadeiramente inesquecível”. “Atravessei para o outro lado e festejei com completos estranhos. Havia um sentimento incrível de felicidade no ar”, contou agora. Antes tinha falado de como tinha bebido uma cerveja numa casa de estranhos num bairro de Berlim Ocidental (a cerveja era de lata, ela não estava habituada).

“Foi um milagre que tudo tenha acontecido de forma tão pacífica”, concluiu a chanceler. Merkel prestou ainda homenagem às 136 pessoas que morreram ao tentar passar o Muro do lado oriental para o ocidental.

Numa nota mais sombria, Merkel não quis deixar passar em branco outro acontecimento no mesmo dia: a 9 de Novembro de 1938, a Kristallnacht (Noite dos Cristais), em que nazis destruíram e queimaram sinagogas, lojas e casas de judeus, mataram mais de mil judeus e levaram outros 25 mil para campos de concentração. Historiadores consideram que este pogrom foi um ponto de viragem na política nazi face aos judeus, com a passividade nacional e internacional a indicar ao regime que podia ir mais longe na sua política anti-semita.

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