Vesti a camisola

Aqui em Almoçageme só há uma pessoa que anda de manga curta durante o ano inteiro: é o Senhor Dias, da excelentíssima Mercearia Dias, mais cúmplice do que concorrente da Mercearia Eles e Elas, da Dona Ana e do Cesaltino.

Anos houve em que tentei competir com José Dias. Também eu sou um acalorado que anda de manga curta e de calções durante 99% do ano. Mas desisti. Ontem à noite, cheio de frio, vesti uma camisa de manga comprida e uma camisola de grossa lã britânica.

O Senhor Dias, que trabalha tanto no Verão (mesmo de manga curta) que chega a perder entre oito e dez quilos, tornou-se, com os tempos, meu amigo. Eu idolatro-o e ele atura-me: é a relação perfeita entre seres humanos.

O frio, que agora começou, é uma praga. A melhor defesa, num país minimamente extremista como Portugal, é conservar o calor que existe dentro de nós.

Inspirados pelo facto de a água do mar ser mais quente do que a temperatura máxima de cada dia, é nosso privilégio observar que as ovelhas, para além de todos os maravilhosos queijos (e maravilhosas manteigas) que generosa e inexplicavelmente nos oferecem, dão-nos a lã que nos leva, quentinhos e protegidos, do Outono à Primavera.

Visto as camisolas como quem muda de pele. A suavidade é uma coisa de Verão. No Outono, o que mais importa é o calor. A primeira camisola é encarnada; cor do fogo que nunca houve.

Que delícia é sentir-me pesado, abafado e contraído: que bela é a concordata religiosa entre a pele e a lã!

 

 

 

 

 

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