50 já cá cantam

O Requiem de Mozart e a estreia de uma peça de Carrapatoso foram os momentos altos do concerto de aniversário, assinalado também pela presença de antigos coralistas para cantar o Aleluia de Händel.

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Os três maestros

Meio século merece casa cheia. E o auditório encheu mesmo neste primeiro concerto comemorativo dos 50 anos do Coro Gulbenkian. Um programa para três maestros, pensado para dar conta da diversidade musical e da herança histórica deste coro.

Para começar, uma peça escrita para a ocasião, encomendada a Eurico Carrapatoso: o Pequeno poemário de Pessanha, para coro a cappella. A obra começa com Inscrição, a partir de um poema exemplar do poeta. Carrapatoso constrói logo ali um ambiente musical de grande intensidade, fazendo ecoar a amargura de Pessanha: "Eu vi a luz em um país perdido"... O Coro Gulbenkian esteve concentradíssimo neste desafio só para vozes, em que a palavra é o centro, nunca perdendo uma dicção perfeita. San Gabriel e Água Morrente têm momentos muito bem conseguidos precisamente na articulação com o texto - numa linguagem coral relativamente simples, a poesia foi cantada com uma impressionante clareza e beleza. Só em Castelo de Óbidos a música agarra menos bem a ambiguidade pessimista do poeta e parece sublinhar apenas a nostalgia de um engano. Em Pessanha, poeta de "pátria incógnita", o mais interessante não é a nostalgia da grandeza perdida, mas a sua forma de exprimir o desencontro com o mundo e a própria queda - "cair, sempre cair", como diz o verso que o coro cantou depois. É preciso dizer ainda: a obra de Carrapatoso não é apenas uma homenagem a este coro - para o compositor o acto de composição é sempre uma dádiva aos intérpretes da sua música e, nas obras corais, um elogio do prazer de cantar. Isso também se ouve, tem importância, sabe bem.


A primeira parte terminou com um hino de Händel, em que os músicos e o coro começaram um pouco como se corressem atrás da música (e não como se estivessem na música, fazendo-a). E contudo a alegria de The King Shall Rejoice foi suficientemente eloquente. Depois do Aleluia final veio outro, o Aleluia mais famoso de Händel, o do Messias. Mas veio com uma prenda-surpresa de aniversário: uma participação especial de antigos coralistas do coro Gulbenkian. Emoção preparada, mas ainda assim transbordante, num Aleluia ouvido com o público de pé por sugestão do maestro Jorge Matta, reatando uma tradição antiga. No intervalo, alguns abraços eram evidentes reencontros de amigos, ou sinceros elogios ao coro e à sua história.

Depois, o Requiem de Mozart. Aqui, com Michel Corboz na batuta, o coro esteve impecável na dinâmica e no equilíbrio das vozes, reactivando a imensa força desta obra arqui-famosa. A orquestra também, mas desta vez não era ela a estrela principal. O maestro teve a sorte de contar ainda com um quarteto de óptimos solistas, incluindo a espectacular mezzo-soprano Clémentine Margaine, a soprano Rachel Harnisch (de que só nos podemos queixar de alguns ataques que omitem a consoante inicial das palavras), o tenor Christophe Einhorn e o baixo Marcos Fink. Os espectadores ficaram agarrados a Mozart e ao coro Gulbenkian, num Requiem vibrante até à última sílaba. Aplausos, muitos. Mas a pressa do público em aplaudir e gritar nem deixou ouvir o eco da música. Às vezes seria bom deixar o fim respirar.

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