Acordos secretos com Luxemburgo permitem a 340 multinacionais pagar menos impostos

Apple, Amazon, Ikea ou Pepsi são apenas algumas das multinacionais denunciadas em investigação de vários jornais internacionais.

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Jean-Claude Juncker, novo presidente da Comissão Europeia, foi primeiro- ministro do Luxemburgo, no período em que ocorreram os factos denunciados Vincent Kessler/Reuters

Pagar menos impostos sobre os lucros gerados. É esta a base de acordos fiscais secretos estabelecidos entre o Luxemburgo e 340 multinacionais, à margem dos interesses dos restantes países europeus, denunciados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), uma organização que junta vários jornais europeus.

A notícia, publicada nesta quinta-feira em mais de 40 meios de comunicação internacionais, com reprodução de vários documentos que provam a existência de acordos secretos, envolve multinacionais conhecidas como a Apple, a Amazon, a Ikea ou a Pepsi.

Conhecidos já como Luxembourg Leaks, estes acordos, escreve o The Guardian, são "perfeitamente legais", mas mostram uma deturpação do sistema fiscal europeu. "É como levar o plano fiscal ao Governo para ser aprovado e abençoado previamente", comentou um professor de Direito Fiscal da Universidade de Connecticut sobre o teor da investigação do ICIJ.

Os acordos foram estabelecidos entre 2002 e 2010, revela a investigação do ICIJ, que conta, entre outros, com parceiros como os jornais Le Monde (França), The Guardian (Reino Unido), Süddeutsche Zeitung (Alemanha) e o Asahi (Japão).

A Comissão Europeia já reagiu à denúncia, admitindo punir o Luxemburgo pelas suas práticas fiscais. Em declarações à AFP, Margaritis Schinas, porta-voz da nova Comissão, disse esta quinta-feira que, se "houver uma decisão negativa [sobre estas práticas], o Luxemburgo terá de assumir e tomar medidas para a corrigir”.

O Guardian destaca que os resultados da investigação são “embaraçosas” para o novo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, que foi primeiro-ministro do Luxemburgo, entre 1995 e 2013", período em que os acordos mencionados pelo ICIJ foram assinados.

Jean-Claude Juncker, que esta semana assumiu a presidência da Comissão Europeia, ainda não reagiu à notícia. A AFP avançou, entretanto, que Juncker cancelou esta quinta-feira a sua participação num debate sobre o futuro da Europa, justificando a decisão com o facto de Jacques Delors, também orador no evento, ter comunicado que, por razões pessoais, não estaria presente.

“O antigo presidente da Comissão Europeia Jacques Delors está adoentado e não vai viajar", afirmou Margaritis Schinas, porta-voz da Comissão Europeia, para justificar o cancelamento da presença de Juncker na conferência.

O semanário francês L'Observateur, promotor do debate, lamentou a ausência do presidente da Comissão Europeia, adiantando que, apesar da ausência de Delors, manteve o convite feito a Juncker.

A pressão sobre o recém-eleito presidente da Comissão Europeia vai aumentando. O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schultz, ex-candidato à presidência da Comissão Europeia, disse esta quinta-feira estar preocupado com a possibilidade de os procedimentos noticiados poderem ser "legais em alguns Estados-membros" e que "a fraude e evasão fiscais sejam facilitadas".

"Isso significa que é urgente que os Estados-membros trabalhem connosco para pôr fim a práticas sistemáticas de evasão fiscal na Europa", apelou Schultz, em comunicado.

A Comissão Europeia abriu em Junho passado uma investigação a práticas fiscais que contrariam as regras concorrenciais europeias, envolvendo empresas norte-americanas com actividades na Europa.

Uma das investigações incidiu sobre acordos estabelecidos entre a Irlanda e a Apple, outra entre os Países Baixos e a Starbucks e a terceira entre o Luxemburgo e uma empresa financeira do grupo Fiat.

"O Luxemburgo mantém esses acordos fiscais secretos", escreve o Le Monde, acrescentando que essa informação não é partilhada com os restantes países europeus que, no entanto, "estão a par, de facto, das estratégias de evasão fiscal pelas multinacionais".

Entre os documentos obtidos pelo ICIJ estão contratos da consultora PricewaterhouseCoopers (PwC) "que redigiu e negociou os termos com a administração luxemburguesa", acrescenta o diário francês.

A investigação, que durou mais de seis meses, teve acesso a 28 mil páginas de documentos que mostram a flexibilidade das regras fiscais “oferecidas” pelos Luxemburgo, mas também as deficiências ou fragilidades dos regulamentos internacionais, escreve o Le Monde, citado pela AFP.

Numa primeira reacção a estas notícias, Xavier Bettel, actual primeiro-ministro luxemburguês, afirmou que as práticas fiscais do país respeitam as leis internacionais.

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