Xanana: “Só peço para reduzirem um bocado a emoção com que se expressam”

Primeiro-ministro timorense diz que não tem nada contra os portugueses, e volta explica expulsões por incompetência dos magistrados.

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Xanana já falou com Passos Coelho AFP

O primeiro-ministro de Timor-Leste, Xanana Gusmão, disse nesta quarta-feira que não tem nada contra os portugueses nem contra Portugal e que a expulsão de funcionários internacionais, a maioria portugueses, visou defender o seu país.

"Não permitiremos que a nossa soberania seja violada. Entendam que não é nada contra Portugal, não é nada contra os portugueses que estão aqui e não só portugueses, porque não são só portugueses" visados na resolução, disse o primeiro-ministro timorense, em entrevista exclusiva à agência Lusa.

Xanana Gusmão garantiu também que não há "intenção nenhuma de esfriar as relações com Portugal" e lembrou que todos têm problemas e que às vezes é preciso tomar decisões.

“Só peço para reduzirem um bocado a emoção com que se expressam”, disse.

“Posso aceitar que a surpresa que causámos foi elevada a uma dimensão maior do que queríamos, o nosso desejo foi só o de interromper o ambiente viciado em que nós perdemos dinheiro quando exigimos às companhias (petrolíferas) para nos pagar o que deduziram por fraude", salientou, pedindo a todos os portugueses para compreenderem que são questões de soberania e interesse nacional.

O Governo de Timor-Leste ordenou na segunda-feira a expulsão, no prazo de 48 horas, de oito funcionários judiciais, sete portugueses e um cabo-verdiano.

No dia 24 de Outubro, o parlamento timorense tinha aprovado uma resolução a determinar uma auditoria ao sistema judicial do país e a suspender os contratos com funcionários judiciais internacionais "invocando motivos de força maior e a necessidade de proteger de forma intransigente o interesse nacional".

Motivos de força maior
Xanana Gusmão disse ainda que decidiu expulsar magistrados porque os responsáveis pelo sector judicial timorense não acataram a resolução que determinava a suspensão dos contratos e a realização de uma auditoria ao sector.

"Não compreenderam", afirmou Xanana Gusmão, admitindo que a decisão de expulsar os magistrados foi tomada depois do Conselho Superior de Magistratura timorense não ter acatado a resolução e ter ordenado aos magistrados que se mantivessem em funções.

"Nós pensamos que as pessoas podiam ter compreendido a resolução do parlamento nacional, que não foi um documento de três frases. Foi longa o suficiente para as pessoas compreenderem as preocupações do Estado timorense", disse, sublinhando que as pessoas "bem-intencionadas" teriam percebido a gravidade da situação.

Os motivos de "força maior" e de "interesse nacional" invocados pelas autoridades timorenses nas resoluções referem-se a 51 processos no tribunal no valor de 378 milhões de dólares de impostos e deduções ilícitas que as empresas petrolíferas devem ao país, acrescentou.

"Em 16 casos já julgados, o Estado perdeu todos", disse Xanana Gusmão, explicando que foram perdidos 35 milhões de dólares.

"É que verificámos erros inadmissíveis. E aqui coloca-se o problema das competências. Se tivéssemos tido uma cooperação, dizem sempre que os tribunais são independentes, estão acima da lua, as coisas não se tinham levantado tanto assim", explicou.

O primeiro-ministro timorense disse também que a resolução do parlamento não visava todos os internacionais, apenas os que pegaram nos casos com as petrolíferas.

"Os erros foram tantos, foram tão inadmissíveis que paramos para não influenciar o processo, porque estamos em recurso para recuperarmos o dinheiro que é nosso", afirmou.

"Eu aceitaria se perdêssemos porque não apresentámos bem os factos ou não temos visão. Não aceito por irregularidades, negligência e, talvez diga má-fé, por parte de alguns atores, que nos fazem perder os processos", afirmou.

Na entrevista, o primeiro-ministro timorense lamentou que em Portugal tenham pensado que as suas decisões tivessem sido relacionadas com uma onda "anti-Portugal" e salientou que só tomou aquelas medidas porque o tempo escasseia e não queria que os processos em causa ou ainda em andamento viessem “a ser contaminados”.

"Houve sete casos assinados por um magistrado, que eram copy paste só havia diferença na quantia de dinheiro e depois outros dois assinados por timorenses também. Porque era o processo de ensino que se estava a fazer. Fazem uma cópia, não vêem factos”, disse.

“Eu não tenho o direito de dizer que isto é incompetência, que nos faz perder dinheiro do Estado? Tudo junto são 35 milhões que perdemos só por causa disso", disse, insistindo que vai reestruturar o sector da justiça no país.

Não levantar a imunidade não é pedir ao tribunal para arquivar o processo"
O primeiro-ministro timorense justificou também o pedido que fez ao parlamento para que não seja levantada a imunidade aos membros do seu Governo até final do mandato com a necessidade de proteger os interesses do país e não evitar que se faça justiça.

"O não levantamento da imunidade é apenas para dizer para nos darem tempo para trazermos mentores de Portugal para ajudar. Não levantar a imunidade não é pedir ao tribunal para arquivar o processo", explicou Xanana Gusmão, na entrevista à Lusa.

"Estamos a pedir este tempo, que nos vais permitir fazer os contactos, chamar as pessoas corretas, com experiências em julgamentos. Não disse para se arquivar, não disse arquivem tudo, destruímos tudo", acrescentou o primeiro-ministro timorense.

Questionado sobre se este pedido estava relacionado com o julgamento da actual ministra das Finanças, Emília Pires, que está a ser investigada pelo Ministério Público por alegada participação económica em negócio, Xanana Gusmão respondeu que não tem de defender a ministra.

"As minhas decisões neste momento não são para proteger a Emília, é para proteger os 370 milhões [de dólares] e para dizer às companhias petrolíferas para não brincarem comigo, não pensem que estamos cegos", afirmou, referindo-se ao valor que as empresas petrolíferas devem ao país, processos que estão a decorrer nos tribunais.

O julgamento de Emília Pires foi adiado “sine die” a 27 de Outubro porque o parlamento não levantou a imunidade e esta decisão foi conhecida no mesmo dia em que se tornou pública a resolução do parlamento nacional a suspender os contratos com funcionários judiciais internacionais

Xanana Gusmão reforçou que não tem que defender a ministra das Finanças e recordou que no anterior Governo vários membros foram responder à justiça.

"Só depois de a Lúcia (Lobato, ex-ministra da Justiça) ter apanhado por 4 mil dólares cinco anos de prisão é que me expressei. Eu não impedi no Governo anterior nenhum membro de ir responder", disse.

Segundo o primeiro-ministro, o actual processo é "bastante complicado" e as coisas aconteceram de repente e "ligaram-se por casualidade e não por intenção".

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