Evocação da guerra civil espanhola dá prémio Goncourt a Lydie Salvayre

Pas Pleurer, da escritora francesa filha de republicanos espanhóis, venceu disputa renhida com o romance Meursault contre-enquête, do argelino Kamel Daoud.

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Lydie Salvayre quando soube da atribuição do prémio AFP/ERIC FEFERBERG

A escritora francesa de origem espanhola Lydie Salvayre venceu nesta quarta-feira o prémio Goncourt com Pas Pleurer, um romance que evoca a guerra civil de Espanha. Uma escolha inesperada, quando quase todos apostavam que o júri hesitava entre Meursault contre-enquête, de Kamel Daoud , e Charlotte, de David Foenkinos, que acabou por ganhar o prémio Renaudot, atribuído na mesma ocasião e local (o restaurante Drouant, em Paris).

Mas foi uma decisão árdua, que exigiu cinco rondas, até que Pas Pleurer venceu por cinco votos contra quatro o romance do argelino Kamel Daoud.

Nascida em 1948, Lydie Salvayre é filha de um casal de republicanos espanhóis – o pai é andaluz e a mãe catalã – que se exilou no sul de França para escapar à perseguição do regime franquista.

Lydie nasceu já em França e passou a infância em Auterive, perto de Toulouse. Estudou Literaturas Modernas na Universidade de Toulouse antes de se licenciar em Medicina e de se especializar em psiquiatria, que ainda hoje pratica numa clínica de Marselha.

Começou a publicar textos em revistas durante os anos 80 e o seu romance de estreia, La Déclaration, saiu em 1990, tendo conquistado o prémio Hermès para primeiras obras.

Salvayre é hoje uma das romancistas mais reconhecidas da sua geração, com uma obra ficcional que conta já  cerca de vinte títulos e que tem sido amplamente traduzida.

Um dos seus romances mais conhecidos é La Compagnie des Spectres, publicado em 1997, que ganhou o prémio Novembre e que foi eleito "livro do ano" pela revista literária Lire. A circunstância de um oficial de justiça que vem penhorar os móveis de uma mulher que guarda memórias perturbadas dos tempos da ocupação é o pretexto para Salvayre mergulhar o leitor numa singular reflexão sobre o poder e a linguagem, a loucura e a liberdade.

O agora premiado Pas Pleurer cruza as vozes do escritor francês George Bernanos, um católico tradicionalista e monárquico que ficou revoltado com as atrocidades do franquismo e as denunciou em Les Grands Cimetières sous la Lune, e de Montse, mãe da narradora, que relembra, 75 anos mais tarde, a candura e alegria irrepetíveis com que, ainda adolescente, viveu na Catalunha os primeiros dias da insurreição libertária de 1936.

Montse, diminutivo de Montserrat, é a mãe da própria romancista, que evoca ainda outros familiares que estiveram envolvidos na guerra civil, como o seu tio Josep, e aborda o muito silenciado conflito entre os anarco-sindicalistas da CNT (Confederación Nacional del Trabajo) e os comunistas.

Imediatamente antes deste romance, Lydie Salvayre publicara em 2013 um ensaio muito bem recebido pela crítica, Sept Femmes, que reúne retratos literários de sete escritoras: Emily Brontë, Djuna Barnes, Sylvia Plath, Colette, Marina Tsvetaeva, Virginia Woolf  e Ingeborg Bachmann.

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