Justiça portuguesa unida faz frente a Governo de Timor

Sucedem-se as críticas à expulsão de magistrados portugueses. Conselho Superior do Ministério Público quer ouvi-los logo que cheguem a Portugal. Sindicatos falam em atentado ao Estado de direito.

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É um “atentado aos valores básicos do Estado de direito” e “uma grosseira violação da independência do poder judicial”. Foi assim que reagiram agentes do sistema judicial português à expulsão, pelo governo timorense, de seis magistrados e de um polícia daquele território. Os juízes e procuradores que ali desempenham funções, mas que não foram alvo desta medida foram igualmente mandados regressar.

Enquanto em Lisboa o discurso contestando os motivos da expulsão endurecia, Díli prometia apresentar provas da incompetência dos magistrados portugueses nos casos perdidos por Timor contra as petrolíferas que têm concessões naquele país. E descartava as investigações e condenações incómodas para o poder político noticiadas nesta segunda-feira pela imprensa portuguesa como possíveis justificações para o afastamento dos funcionários internacionais, alegando que eram situações demasiado antigas. Um relatório do Departamento de Estado norte-americano dá, porém, conta de casos bem mais recentes implicando governantes timorenses, como o julgamento do secretário de Estado para o Fortalecimento Institucional, Francisco da Costa Soares, acusado de corrupção, ou a condenação, há apenas um ano, do ex-secretário de Estado do Ambiente, Abílio Lima, e de dois colaboradores seus, por corrupção e falsificação de documentos, entre outros crimes.

Mas não são, de facto, de hoje os casos em que altos responsáveis de Timor entraram em choque com magistrados portugueses. Ramos-Horta, por exemplo, chegou a criticar duramente o juiz Ivo Rosa quando era Presidente da República, em 2007, depois de este o acusar de desrespeitar a Constituição. "Deve estar à procura de um cargo político em Portugal", observou, aconselhando o magistrado a "mostrar mais respeito".

Depois dos incidentes diplomáticos dos últimos dias o juiz contou à Rádio Renascença como foi também despedido e mandado embora mais tarde: “Impugnei a decisão junto dos tribunais de Timor-Leste e houve uma providência cautelar que me deu razão. Na altura, o Conselho Superior de Magistratura de Timor-Leste não acatou essa decisão, não obstante ser um órgão que tem como primeiro objectivo zelar pela independência dos tribunais. Na sequência disso, foi emitida uma informação para a polícia de Timor-Leste a dizer que eu estaria ilegal no país e que deveria ser detido, caso fosse encontrado”.

Até ao fim desta semana chegam a Lisboa todos os funcionários judiciais portugueses que se encontram em território timorense, incluindo os que não foram expulsos. Os órgãos que superintendem aos magistrados decidiram que terão também de regressar, depois do que sucedeu. “O Governo da República Democrática de Timor-Leste (…) decidiu expulsar cinco dos sete juízes portugueses que se encontram a exercer funções em Timor-Leste”, refere um comunicado do órgão máximo dos magistrados judiciais portugueses, o Conselho Superior da Magistratura, datado desta terça-feira.

“Tendo tomado conhecimento da decisão, o conselho deliberou revogar, com efeitos imediatos, as autorizações concedidas a todos os sete juízes que se encontram em Timor-Leste e, em consequência, determinar que todos regressem a Portugal”. A mesma nota informativa reafirma a competência dos magistrados em causa e sublinha que estes profissionais foram “recrutados e escolhidos pelo Estado de Timor-Leste”.

Os dois juízes que não foram expulsos tinham visto os seus contratos suspensos pelo Governo timorense. No mesmo sentido, uma deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, órgão presidido pela procuradora-geral da República Joana Marques Vidal, revogou igualmente, "por razões de interesse público", a autorização para a permanência dos três magistrados do Ministério Público que se encontram em Timor  – apesar de só um deles ter sido mandado sair do país.

Este conselho quer ouvir o quanto antes os magistrados em causa, mas mesmo antes disso fez uma declaração de princípios assegurando a sua “competência profissional, idoneidade e rigorosa isenção”. Por outro lado, pediu ao Governo que assegure, por todos os meios ao dispor, a protecção destes funcionários no seu regresso.

Mas as reacções mais violentas vieram do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e da Associação Sindical dos Juízes Portugueses.

Para o sindicato, as atitudes do Estado de Timor-Leste constituem “uma grosseira violação da independência do poder judicial e são, por isso, incompatíveis com um Estado de direito”. E o que sucedeu “inviabiliza totalmente qualquer possibilidade de cooperação judiciária entre Portugal e Timor-Leste, agora ou no futuro”.  Já a Associação Sindical de Juízes entende que a actuação do governo timorense abre “um precedente gravíssimo e constitui um atentado aos valores básicos do Estado de direito”.

“Trata-se de uma afronta aos princípios da autonomia e da independência dos juízes e dos tribunais que são consagrados universalmente e aos quais devem respeito todos os Estados e entidades, tanto ao nível nacional como internacional. Dessa forma, são colocadas em causa a confiança e a legitimação da Justiça nos vários países e nas comunidades políticas internacionais envolvidos”, diz a associação, que – em nome das várias associações de juízes do espaço da lusofonia e da União Internacional dos Juízes de Língua Portuguesa – insta as autoridades nacionais e internacionais a tomarem posição sobre a matéria.  Já o sindicato dos procuradores fala na possibilidade recusar novas comissões de serviço de quaisquer magistrados do Ministério Público naquele país.

O Governo português afirmou na segunda-feira que deplora a expulsão. Na sequência do conflito diplomático, o ministro da Justiça de Timor-Leste enviou uma carta à sua homóloga portuguesa, Paula Teixeira da Cruz, pedindo uma reunião a realizar "entre Novembro e Dezembro". Ao fim da tarde da passada segunda-feira, Dionísio Babo enviou um ofício à sua homóloga portuguesa, Paula Teixeira da Cruz, solicitando o encontro. Foi na assinatura de um protocolo de cooperação entre os dois países, em Lisboa, a 5 de Fevereiro passado, a única vez que a titular da Justiça de Portugal reuniu com Babo e com o primeiro-ministro de Díli, Xanana Gusmão.

O protocolo recupera diversos documentos da relação bilateral entre os dois Estados, como o acordo geral de cooperação, feito em Díli, em 20 de Maio de 2002. Do mesmo modo, reporta ao programa “Fortalecimento do Sistema de Justiça em Timor-Leste”, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) de Dezembro de 2008. E refere, ainda, o protocolo de 21 de Agosto de 2008, entre Lisboa, Díli e o PNUD que definiu o desempenho de missão profissional em Timor-Leste de magistrados judiciais e do Ministério Público portugueses.

Também em 2008, os ministérios da Justiça dos dois países subscreveram um memorando de entendimento no domínio da cooperação técnica e formação nas áreas da investigação criminal e medicina legal. Por fim, mais recentemente, a 10 de Janeiro de 2012, foi assinado um memorando entre o ministério da Justiça, o Tribunal de Contas e o Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento para desenvolver a componente de justiça no programa de apoio à governação democrática em Timor.

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