Casal de cristãos espancado até à morte no Paquistão por blasfémia

Corpos do homem e da mulher foram atirados ao forno da fábrica de tijolos onde trabalhavam. Foram acusados de profanar Corão.

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São frequentes os protestos violentos contra comportamentosconsiderados anti-islâmicos, como este em Kot Radha Kishan BANARAS KHAN/AFP

Um casal cristão paquistanês, acusado de blasfémia, foi espancado até à morte e os seus corpos queimados na fábrica de tijolos onde ambos trabalhavam, na província do Punjab, revelou a polícia local.

É o último exemplo das atrocidades cometidas em nome de “um crime” que no Paquistão é punido com a pena de morte, ao abrigo da mais severa lei antiblasfémia de que há registo e que os islamistas defendem com punhais e dentes. Desta vez não foram os tribunais, mas uma turba a fazer justiça pelas próprias mãos. “Uma multidão atacou e espancou até à morte o casal, a quem acusava de ter profanado o Corão”, disse à AFP Ben Yameen, oficial da polícia, identificando as duas vítimas apenas pelos nomes próprios, Shehzad e Shama.

Homem e mulher trabalhavam numa fábrica de tijolos – um sector que emprega cinco milhões de pessoas na Índia, muitas em condições de quase escravatura, nota a agência francesa – situada na aldeia de Kot Radha Kishan, a uns 60 quilómetros de Lahore, e foi nos fornos onde o barro é cozido que os seus corpos foram lançados.

Os detalhes do caso são escassos, mas Yameen disse que o casal foi responsabilizado (não se sabe por quem) por um incidente registado no dia anterior, supostamente ligado à profanação do livro sagrado do islão. Um outro responsável da segurança contou à BBC que a polícia ainda tentou intervir para salvar o casal, mas terá sido atacada pela multidão, em muito maior número. As autoridades do Punjab anunciaram entretanto a abertura de um inquérito ao ataque e o reforço da segurança dos bairros cristãos.

Há cerca de três milhões de cristãos no Paquistão, país de mais de 180 milhões de pessoas onde os muçulmanos sunitas são maioritários e as tensões religiosas são tão antigas como a própria nação. São sobretudo pobres, que vivem acantonados e conseguem empregos subalternos. Nas últimas décadas, muitos foram condenados em tribunal ao abrigo das leis da blasfémia, incluindo por profanação do Corão, mas foram poucas as vezes em que a pena de morte acabou por ser aplicada.

Entre eles está Asia Bibi, uma mãe de cinco filhos condenada em 2010 à pena capital, depois de ter sido acusada de blasfémia por vizinhas muçulmanas com quem se tinha desentendido. O seu caso gerou protestos internacionais, mas ainda no mês passado um tribunal de recurso decidiu manter a pena.

Mas as leis da blasfémia não poupam ninguém – os muçulmanos são, aliás, a maioria das pessoas condenadas – e são muitas as vezes em que são invocadas para acertar rivalidades entre vizinhos, ajustes de contas ou apenas por vingança. As organizações de defesa dos direitos humanos há muito que pedem a sua abolição, mas políticos e activistas que fazem campanha pela alteração do Código Penal são muitas vezes acusados eles próprios do crime ou, pior ainda, atacados por extremistas – em Maio, recorda a BBC, o advogado Rashid Rehma, que defendia em tribunal um professor acusado de blasfémia, foi morto a tiro na cidade de Multan.

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